terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Câncer papilífero de tireoide

Na avaliação do nódulo de tireoide, a maior preocupação do médico endocrinologista é identificar lesões potencialmente malignas, isto é, câncer de tireoide. Diferentes estudos mostram aumento da incidência do câncer de tireoide, especialmente do tipo papilífero. Nos Estados Unidos, 12 em cada 100 mil pessoas foram diagnosticadas com carcinoma papilífero de tireoide em 2009 contra apenas 3 em 1935. Este aumento de 4 vezes possivelmente se deva ao diagnóstico precoce de tumores cada vez menores graças ao desenvolvimento de métodos de imagem mais sofisticados. Mulheres principalmente entre 40 e 60 anos têm risco maior de desenvolver este tipo de câncer.
Entre os fatores de risco para carcinoma papilífero de tireoide estão exposição a radiação e história familiar positiva, principalmente. Alterações em genes das células tireoidianas acabam por levar ao seu crescimento desordenado, causando o câncer.



Antigamente, a maioria dos tumores papilíferos de tireoide se apresentava como nódulos na região anterior do pescoço, logo abaixo do pomo-de-Adão. Estes nódulos poderiam inclusive ter crescimento rápido e aderências a estruturas próximas como a laringe, levando a rouquidão. Adenomegalias (ínguas) palpáveis também poderiam compor o quadro. Hoje, grande parte dos carcinomas papilíferos são diagnosticados em fase pré-clínica, isto é, ainda sem causar sintomas, graças a exames como a ecografia (ultrassonografia) e a punção aspirativa com agulha fina (PAAF). Apesar do diagnóstico vir sendo feito em estágio cada vez mais precoce, cinquenta a oitenta porcento dos pacientes pode apresentar metástases para os linfonodos do pescoço, e dois a dez porcento pode apresentar metástases em pulmões ou ossos, principalmente.
Mesmo sendo localmente invasivo, o carcinoma papilífero costuma ter bom prognóstico. A grande maioria dos pacientes com este tipo de câncer não costuma morrer ou sofrer desta doença. Alguns fatores parecem ser importantes na avaliação do prognóstico. Pacientes diagnosticados entre 20 e 45 anos de idade dificilmente morrerão por causa do carcinoma papilífero. Pacientes com tumores com menos de 4 centímetros também tem excelente expectativa de vida. Por outro lado, quando o tumor invade estruturas do pescoço como músculos, traqueia ou esôfago, o risco de morte aumenta 5 vezes. Outros fatores que aumentam o risco de recidiva ou morte são metástases à distância, muitos linfonodos comprometidos, sexo masculino e atraso na realização da cirurgia para retirada do tumor.
O tratamento primário para o câncer papilífero de tireoide é a cirurgia. Logo após a retirada cirúrgica do tumor, o paciente deve ser devidamente estadiado, isto é, deve ter a gravidade da doença "medida" para que se possa programar a melhor abordagem terapêutica e de seguimento. Geralmente, o paciente recebe uma dose de iodo radioativo e doses supressivas de hormônio tireoidiano. Inicia-se também acompanhamento regular, que visa, além de monitorar a doença através de exames periódicos de imagem e de laboratório, evitar tratamentos excessivos e desnecessários, prezando principalmente pela qualidade de vida do paciente.

Fonte: Overview of papilary thyroid cancer - UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

sábado, 16 de janeiro de 2016

Limitações na interpretação da hemoglobina glicada (HbA1c)

A HbA1c é a medida da hemoglobina glicada. Trata-se de um exame importante tanto para o diagnóstico quanto para o seguimento do paciente diabético já que reflete os níveis glicêmicos nos últimos 2-3 meses. Contudo, apesar de os métodos laboratoriais terem evoluído bastante, a interpretação da dosagem da HbA1c ainda requer atenção por parte do médico endocrinologista, especialmente nos casos em que os valores da monitorização da glicemia capilar (em ponta de dedo) são discrepantes.



A HbA1c resulta da glicação irreversível não enzimática da cadeia beta da hemoglobina. Complicado? Nem tanto! A hemoglobina tem função de carregar o oxigênio captado nos pulmões aos nossos diferentes tecidos. Quando os níveis de glicose se elevam muito no sangue, o processo de glicação se intensifica, fazendo com que a proporção de HbA1c também aumente. No entanto, pode haver interferência no processo de glicação. Além disso, condições que aumentam ou diminuem a vida da hemácia (célula vermelha que contém a hemoglobina), variantes de hemoglobinas e hemoglobinas modificadas quimicamente são causas de variabilidade no exame.
Condições de diminuem a vida da hemácia, tais como anemias hemolíticas (anemia com destruição das células vermelhas), doença renal crônica, hemodiálise e gravidez, causam falsa redução nos níveis de HbA1c. Isto é, o médico endocrinologista deve tomar cuidado para não interpretar como melhora no controle do diabetes uma redução na hemoglobina glicada causada por estas condições. Condições que aumentam a formação de novas células vermelhas também podem causar falsa redução nos níveis de HbA1c. Entre elas podemos citar o uso de eritropoetina (estimulador das células vermelhas comumente usado em pacientes com doença renal crônica) e a perda de sangue. Além disso, transfusões sanguíneas costumam refletir a HbA1c do doador.
Por outro lado, existem condições que elevam falsamente a HbA1c podendo sugerir piora do controle glicêmico sem que isto tenha de fato ocorrido. Doenças que aumentam a vida das hemácias podem ser causa desse quadro, tais como anemia por deficiência de ferro, ácido fólico ou B12. A retirada cirúrgica do baço, ou esplenectomia, tem efeito similar a estas anemias na HbA1c. Além disso, modificações químicas da hemoglobina causadas por doses elevadas de AAS (hemoglobina acetilada) ou níveis elevados de ureia (hemoglobina carbamilada) também podem ser causas de falsa elevação da HbA1c.
Por fim, variantes da hemoglobina (S, C, E e F), doenças como anemia falsiforme e talassemias podem causar dificuldades na interpretação da HbA1c, tanto elevando como reduzindo falsamente seus níveis. Pacientes com história familiar destas doenças, afrodescendentes e asiáticos devem ser cuidadosamente avaliados.
A correta interpretação do exame, bem como a identificação dos possíveis fatores interferentes, é de fundamental importância para o ótimo controle do diabetes, garantindo que o paciente receba tratamento na medida certa! Nem mais nem menos!

Fonte: South Med J. 2015;108(12):724-729. 

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576