domingo, 29 de setembro de 2019

Rastreamento do diabetes: quando é apropriado fazer o exame

Por que pessoas sem sintomas precisam fazer exames diagnósticos para diabetes?

Entende-se por rastreamento, a procura ativa de uma doença em pessoas ainda sem sintomas. Para que um agravo de saúde mereça ser rastreado, deve preencher os seguintes requisitos:
- ser um problema de saúde pública;
- ter um período inicial assintomático;
- ter um exame diagnóstico fácil e barato;
- ter tratamento apropriado;
- existir evidência de que o tratamento precoce diminua complicações.
O diabetes mellitus tipo 2 preenche todos estes critérios.



Quem é candidato aos exames?

Pelos menos um em cada 10 brasileiros tem diabetes e muitos desconhecem o diagnóstico apesar dos exames serem baratos e estarem disponíveis da rede pública, por não apresentarem sintomas.
Os exames para o diagnóstico do diabetes tipo 2 são a dosagem da glicemia em jejum, o teste de tolerância oral à glicose e a hemoglobina glicada e estão recomendados para qualquer pessoa com 45 anos ou mais, além das pessoas com fatores de risco. Estes são:
- familiares de primeiro grau com diabetes;
- cor preta ou índio;
- ter dado a luz a bebê com mais de 4,1 kg;
- pressão alta;
- colesterol HDL baixo e triglicerídeos elevados;
- exames de glicemia e hemoglobina glicada previamente elevados;
- ter tido doenças vasculares com infarto ou isquemias.


Como é feito o diagnóstico de diabetes?

Quando a glicemia em jejum é 126 mg/dL ou mais, o teste de tolerância oral a glicose é 200 mg/dL ou mais ou a hemoglobina glicada 6,5% ou mais, o exame deve ser repetido. Confirmado os valores elevados, o paciente recebe o diagnóstico de diabetes mellitus e recebe o seguimento apropriado. Quando dois destes exames estão alterados ao mesmo tempo, o diagnóstico também está confirmado. 
Glicemia em jejum menor que 100 mg/dL, teste de tolerância a glicose menor que 140 mg/dL e hemoglobina glicada menor de 5,7% são considerados normais e o paciente deve ser novamente rastreado dentro de 3 anos.
Existe ainda uma faixa de valores intermediários para estes exames. Os pacientes que se enquadram nesta categoria têm risco aumentado para o diabetes, isto é, pré-diabetes, e devem perder peso além de mudar seus hábitos de vida para evitar a doença. Neste caso, os exames devem ser repetidos dentro de no máximo um ano.

Referência:
1- McCulloch DK, Hayward RA. Screening for type 2 diabetes mellitus. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O que significam os sintomas do diabetes?

A grande maioria dos pacientes com diabetes não sente nada. E isto não é sinal que a doença esteja bem tratada. Os sintomas clássicos de hiperglicemia - sede excessiva, aumento na quantidade de urina e visão borrada - só começam a aparecer quando os níveis de glicose (açúcar do sangue) sobem significativamente a valores acima de 180 mg/dL.



Vontade de fazer xixi toda hora

Quando nosso sangue passa pelos rins, tanto substâncias que precisam ser eliminadas quanto outras que ainda são úteis para organismo atravessam esses filtros. É o caso da glicose. Em situações normais, os rins reabsorvem a glicose filtrada para que esta fonte de energia não seja perdida na urina. Já em pacientes com diabetes descompensado, a quantidade de glicose que atravessa os rins é tão grande que a capacidade de reabsorção não é capaz de evitar a perda. Todo esse açúcar literalmente "puxa" mais água para a urina. Consequentemente o paciente desenvolve poliúria - termo técnico para o aumento do volume urinário.


Sede demais

A água que é perdida junto com a glicose causa hipovolemia. Ou seja, a quantidade de fluídos no organismo diminui. Desidratado, o paciente com diabetes sente mais sede. Se tentar beber refrigerante ou suco para se reidratar, os sintomas vão piorar, pois haverá mais perda de água e açúcar através da urina. É como um náufrago que tenta beber água do mar.


Visão turva

A glicose circula livremente no nosso organismo, inclusive nos olhos. Níveis muito elevados causam inchaço nas lentes oculares, mudando o foco e deixando a visão borrada. Ao contrário dos problemas na retina, a visão borrada causada por elevação da glicemia melhora quando os níveis retornam ao normal. É por isso que oftalmologistas nunca prescrevem óculos para pacientes com diabetes descompensado. O grau muda quando o açúcar baixa.

Se você convive com diabetes, não espere por estes sintomas para procurar um endocrinologista. Quando a doença é tratada corretamente desde suas fases inicias, a qualidade e a expectativa de vida são maiores.

Referência:
1- McCulloch DK. Clinical presentation and diagnosis of diabetes mellitus in adults. UpToDate.


Sintomas de diabetes descompensado - poliúria e polidipsia



Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sábado, 31 de agosto de 2019

Alisquireno: novos remédios nem sempre são a melhor alternativa

É de conhecimento público o assédio que médicos sofrem da indústria farmacêutica. Novos remédios são lançados todos os dias. Muitas vezes, mesmo sem serem suficientemente avaliados, por pura pressão, acabam sendo incorporados na prática clínica.


Entre os medicamentos anti-hipertensivos, uma história que merece ser contada é a do alisquireno (Rasilez). Estudos preliminares de curta duração sugeriram que o alisquireno pudesse ser mais eficaz em baixar a pressão arterial que a hidroclorotiazida (diurético fornecido gratuitamente na rede Farmácia Popular) e que a associação de alisquireno com valsartana ou losartana pudesse proteger o rim de pacientes com diabetes. Será?
Em dezembro de 2011, o próprio fabricante do Rasilez, o laboratório Novartis, emitiu um alerta para que o alisquireno não fosse mais administrado em combinação com remédios das seguintes classes: inibidores da ECA (captopril, enalapril, ramipril...) e ARA2 (losartana, valsartana...). Isso aconteceu após a interrupção do estudo ALTITUDE. Neste estudo, pacientes com diabetes tipo 2 e problemas renais usaram alisquireno associado a inibidores da ECA ou ARA2. O resultado? Maior número de AVEs (derrames e isquemias), hipotensão e aumento dos níveis de potássio, sem qualquer benefício que justificasse exposição ao risco destes desfechos adversos. Ao contrário do que se pensava, a associação fez mais mal do que bem. Após a publicação dos resultados do ALTITUDE, o alisquireno caiu em descrédito...
A história do alisquireno é apenas uma entre várias de outras "balas mágicas". É por isso que o bom médico não deve ficar eufórico com lançamentos de novos tratamentos antes que sejam devidamente testados. Nem tudo que é novo é melhor. A vovó já dizia...

Referência:
1- Parving HH, Brenner BM, McMurray JJ, de Zeeuw D, Haffner SM, Solomon SD, Chaturvedi N, Persson F, Desai AS, Nicolaides M, Richard A, Xiang Z, Brunel P, Pfeffer MA; ALTITUDE Investigators. Cardiorenal end points in a trial of aliskiren for type 2 diabetes. N Engl J Med. 2012 Dec 6;367(23):2204-13.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Existe tratamento medicamentoso para nódulos de tireoide?

Após a avaliação clínica inicial, felizmente, a maioria dos nódulos de tireoide acaba classificada como benigna. Neste momento, muitos pacientes perguntam: "Existe algum remédio para diminuir o tamanho ou evitar o crescimento dos nódulos?" A resposta para essa pergunta pode parecer frustrante num primeiro momento, mas com as devidas explicações, os motivos ficam claros: "Existe, o hormônio tireoidiano ou levotiroxina, mas não vale a pena usar."


O uso da levotiroxina é capaz de reduzir o tamanho e de evitar o crescimento de nódulos tireoidianos, especialmente em indivíduos que vivem em áreas deficientes de iodo (não é o caso do Brasil). Já em áreas suficientes em iodo, o tratamento hormonal tem efeito pífio. Apenas cerca de 1 em cada 5 nódulos apresenta redução significativa do tamanho - mais de 50 por cento do volume. Nódulos com conteúdo cístico respondem ainda menos ao hormônio tireoidiano.
Uma revisão da literatura médica sobre o tema compilou dados de 9 estudos, totalizando 609 pacientes. Vinte e dois por cento dos indivíduos que fizeram uso da levotiroxina apresentaram redução maior que 50 por cento no volume dos seus nódulos. No grupo que não recebeu tratamento ativo, a redução de tamanho dos nódulos ocorreu em 10 por cento dos casos. Ou seja, a resposta ao tratamento é bem modesta.
Agora, você pode estar pensando: "OK! A chance do nódulo responder ao tratamento é pequena, mas existe. Não vale a pena tentar usar a levotiroxina, já que temos 22% de chance de redução de tamanho?" Como já antecipei no primeiro parágrafo... "Não vale a pena, pois os riscos do tratamento superam os benefícios." Explico...
Para que haja chance de redução no volume do nódulo, a levotiroxina precisa ser usada em dose suficientemente alta para baixar os níveis de TSH. Ou seja, o tratamento, de certa forma, induz um quadro de hipertireoidismo. Agora pergunto: "Faz sentido tratar uma condição benigna às custas de tratamento com risco de complicações?" Arritmias como a fibrilação atrial, diminuição da densidade mineral óssea e mesmo sintomas como tremor, palpitações e fadiga, podem ser causados pelo uso do hormônio tireoidiano em doses suficientemente elevadas. Além disso, a maioria dos estudos que utilizaram essa opção terapêutica teve curta duração (6 a 18 meses), o que limita bastante a avaliação da segurança no longo prazo, algo muito relevante, já que o tratamento parece ter efeito fugaz: após a suspensão, os nódulos voltam a crescer...
Em resumo, infelizmente, não dispomos de um remédio com eficácia e segurança apropriadas para o tratamento de nódulos de tireoide benignos. Quando existem sintomas ou comprometimento estético, o tratamento cirúrgico ou por ablação com o uso de álcool ou radiofrequência é recomendado. Mas isso já é assunto para um outro texto...

Referência:
1 - Sdano MT, Falciglia M, Welge JA, Steward DL. Efficacy of thyroid hormone suppression for benign thyroid nodules: meta-analysis of randomized trials. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;133(3):391.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 30 de julho de 2019

Uso do liraglutide no tratamento do diabetes tipo 2

A glicose ingerida é capaz de estimular maior secreção de insulina que a glicose injetada. Interessante, não? Existe um sistema hormonal no nosso intestino que, de certa forma, avisa as células beta do pâncreas que os níveis de açúcar irão subir. O sistema incretínico é formado por peptídeos secretados pelas células do trato gastrointestinal. O GLP-1 é o mais estudado. Além de estimular a liberação de insulina, o GLP-1 diminui a velocidade de esvaziamento do estômago e têm efeito inibidor do apetite. Combo que além de potencializar o controle da glicemia, favorece a perda de peso. O problema é que o GLP-1 resiste no máximo 2 minutos na corrente sanguínea, pois é degradado por uma enzima chamada DPP-4. Para poder aproveitar os efeitos benéficos do GLP-1, a indústria farmacêutica desenvolveu remédios que resistem por mais tempo na nossa circulação. São os agonistas do GLP-1. O liraglutide (nome comercial Victoza) é um dos representantes dessa classe.



O liraglutide é um medicamento injetável, de uso diário, comercializados em dispositivos pré-preenchidos (as famosas canetas - veja na imagem). Apesar de não causar hipoglicemias em pacientes que não estejam em uso de medicamentos como insulina ou sulfonilureias, o liraglutide oferece efeito potente. Em média, a redução da hemoglobina glicada fica entre 0,8 e 1,2 por cento. Outra vantagem do tratamento é a redução do peso, que é bastante variável. Em média, perde-se cerca de 6 kg com o tratamento.
O liraglutide é considerado cardioprotetor quando usado em pacientes de alto risco. No estudo LEADER, 9340 pacientes com diabetes tipo 2 foram randomizados para o uso de liraglutide ou tratamento padrão. Os pacientes que fizeram uso do agonista do GLP-1 apresentaram risco 13 por cento menor de morrer de causas cardiovasculares, sofrer um infarto ou um acidente vascular encefálico durante o período de tratamento (cerca de 4 anos). Este efeito protetor ocorreu independente do controle da glicemia ou da perda de peso, isto é, o liraglutide ajuda, de fato, a prevenir eventos potencialmente graves.
Apesar de ter indicação precisa quando há alto risco cardiovascular, os dados sobre eficácia na prevenção de complicações do diabetes (retinopatia, neuropatia e nefropatia) em longo prazo ainda são escassos nos casos de baixo risco, que são a maioria dos pacientes. Em outras palavras, para uma pessoa com diabetes recém diagnosticada e sem complicações, ainda não sabemos com clareza se o liraglutide é definitivamente melhor que outros tratamentos mais antigos e mais baratos.
Quanto aos efeitos adversos, os mais frequentes são os gastrointestinais. Até 40 por cento dos pacientes têm náusea ou diarreia, especialmente no início do tratamento. Felizmente, isso costuma melhorar com a continuidade do uso. O medicamento também não deve ser usado em pacientes com história de pancreatite ou câncer medular de tireoide.

Referências:
1- Garber A, Henry R, Ratner R, Garcia-Hernandez PA, Rodriguez-Pattzi H, Olvera-Alvarez I, Hale PM, Zdravkovic M, Bode B, LEAD-3 (Mono) Study Group. Liraglutide versus glimepiride monotherapy for type 2 diabetes (LEAD-3 Mono): a randomised, 52-week, phase III, double-blind, parallel-treatment trial. Lancet. 2009;373(9662):473.
2- Marso SP, Daniels GH, Brown-Frandsen K, Kristensen P, Mann JF, Nauck MA, Nissen SE, Pocock S, Poulter NR, Ravn LS, Steinberg WM, Stockner M, Zinman B, Bergenstal RM, Buse JB, LEADER Steering Committee, LEADER Trial Investigators. Liraglutide and Cardiovascular Outcomes in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2016;375(4):311.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Hipertireoidismo sempre causa aumento da tireoide (bócio)?

É comum que pacientes diagnosticados com hipertireoidismo (produção excessiva de hormônio) fiquem preocupados com o tamanho de suas tireoides. Se fizermos uma pesquisa no Google, via de regra, encontraremos imagens de tireoides aumentadas (bócios). Será que isso reflete a realidade?



Nem sempre! A presença e o tamanho do bócio depende da causa do hipertireoidismo...
No bócio difuso tóxico, ou doença de Graves, a tireoide pode ter aumento mínimo ou mesmo massivo. Geralmente, quanto maior o bócio pior o quadro de hipertireoidismo. No entanto, existem exceções a esta regra. Tireoides pequenas e não palpáveis são frequentemente vistas em pacientes idosos com doença de Graves.
Já na tireoidite silenciosa, patologia que pode acometer mulheres após o parto, o quadro de tireotoxicose é acompanhado por mínimo ou mesmo nenhum aumento da tireoidiano. Nestes casos, onde há excesso hormonal sem aumento da tireoide, o endocrinologista deve ficar atento a outros diagnósticos como uso de levotiroxina ou T3 exógeno ou struma ovarii (tumor de ovário que pode produzir hormônio tireoidiano).
Alguns nódulos podem secretar hormônios. Quando são únicos, costumam ser palpáveis ou mesmo visíveis. Quando são múltiplos, podem ser causa de grandes bócios.
Por fim, na tireoidite subaguda, o que mais chama atenção não é o aumento da glândula, mas a dor na região anterior do pescoço.
Em resumo, o bócio não é achado obrigatório no hipertireoidismo. Mas as alterações no volume da tireoide são úteis para ajudar o endocrinologista a identificar a causa do problema e, consequentemente, optar pelo melhor manejo do caso.

Referência:
1- Ross DS. Diagnosis of hyperthyroidism. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 30 de junho de 2019

Feijão, uma ótima opção para pacientes com diabetes

Dica para quem tem diabetes ou quer prevenir a doença: coma feijão.


O feijão é um ótimo alimento, pois possui quantidade elevada de fibras e carboidratos complexos, ou seja, baixo índice glicêmico. Isto quer dizer que o "açúcar" do feijão é absorvido mais lentamente que o do arroz branco e até que o do arroz integral.
Mas atenção: no preparo, evite banha, embutidos (bacon e linguiça) e outras carnes processadas. Prefira temperar o feijão com alho, cebola e folhas de louro.
Pena que os brasileiros estejam comendo menos feijão hoje em dia.

Vídeo: Feijão ajuda a domar o diabetes



Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Insulina inalável tecnosfera – mais uma opção para o tratamento do diabetes

Não adianta querer tomar insulina na forma de comprimidos. Sua molécula, um polipetídeo, seria digerida no nosso estômago antes que pudesse ter qualquer efeito significativo nos níveis glicêmicos. A via oral apesar de prática, infelizmente não é viável. Outras vias de administração têm sido estudadas além da tradicional injeção. Transdérmica, bucal, nasal e... pulmonar, a mais promissora delas, que está chegando ao Brasil em 2019.

Dispositivo de inalação da insulina tecnosfera (Afrezza)

De uma forma bem simplificada, a insulina tecnosfera (nome comercial Afrezza) consiste de um pó seco que libera insulina regular diretamente na circulação pulmonar após a inalação através de um dispositivo muito parecido com os usados por pacientes asmáticos ou com DPOC. Sem seringas! Farmacologicamente, trata-se de uma insulina prandial, isto é, para ser usada antes das refeições, já que tem início de ação rápido (15 minutos) e duração curta (efeito máximo de 2 a 3 horas).
A insulina inalável já foi testada em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 sempre em substituição às insulinas prandiais. Nos estudos, seu uso está associado a menor ganho de peso e a menos hipoglicemias. No entanto, a eficácia no controle glicêmico parece ser menor que no tratamento usual, já que menos pacientes atingem alvos de hemoglobina glicada abaixo de 7 por cento. Além disso, os pacientes com diabetes tipo 1 apresentam risco de cetoacidose diabética até 4 vezes maior. Durante os estudos, mais pacientes reportaram satisfação com o uso da insulina inalável do que com as seringas. Mas não temos a comparação com outros tipos de dispositivos (canetas ou bombas de infusão).
E quem é candidato a usar a "insulina sem picadas”? Estima-se que 6 em cada 10 pacientes com diabetes com indicação ao uso de insulinas prandiais possam optar pela insulina inalável. Fumantes, portadores de doenças pulmonares crônicas como asma e DPOC, que tenha espirometria alterada (FEV1 < 70 por cento) têm contraindicação ao uso.
Os efeitos adversos mais comuns da insulina inalada são tosse seca (44 por cento dos pacientes) e queda progressiva na função pulmonar, que deve ser acompanhada regularmente.
Nos Estados Unidos, apesar da grande expectativa de médicos e pacientes, a maior satisfação descrita nos estudos não se refletiu em maior aceitação do tratamento. Custo alto e dificuldades no ajuste posológico, o que dificulta o ótimo controle glicêmico, talvez expliquem estes achados. Nem tudo que reluz é ouro, não é mesmo?

Referência:
1- Pittas AG. Inhaled insulin therapy in diabetes mellitus. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sábado, 25 de maio de 2019

Como tratar a esteatose hepática (gordura no fígado) através da alimentação?

Hoje temos acesso a diversas tecnologias e comodidades. Internet, smartphones, aplicativos e... comida. É simples, é fácil pedir comida apetitosa em casa. Coloque o conforto do sofá e a praticidade do Netflix nessa conta e teremos um resultado desagradável – calorias demais + atividades físicas de menos = obesidade e doenças metabólicas. E a gordura em excesso não vai só pra debaixo da pele, não. Ela literalmente invade nossas vísceras. E o fígado é especialmente afetado.
Nos Estados Unidos, estima-se que uma em cada quatro pessoas tenha o diagnóstico de doença hepática gordurosa não alcoólica, isto é, fígado gorduroso de origem metabólica. A esteatose hepática quando não tratada pode ser causa tanto de cirrose e câncer no fígado como aumentar o risco de doenças cardíacas e vasculares. Logo, uma vez identificada, deve ser prontamente manejada.
Uma doença que pode ser causada por alimentação ruim, pode ser tratada com mudanças de hábitos. Isto é intuitivo, embora nem sempre seja simples de implementar. Abaixo, elenquei algumas das orientações alimentares mais importantes para ajudar no manejo da doença hepática gordurosa não alcoólica. Vamos a elas?


1- Reduzir calorias para perder peso.

Perder peso é o principal tratamento da esteatose hepática. Quando se perde 5 por cento do peso, o fígado já começa a “emagrecer”. Ao perder 7 por cento, as células lesionadas começam a melhorar. Com 10 por cento menos, a fibrose (processo de cicatrização desordenado que leva à cirrose) também melhora. Pra perder peso, é importante comer menos, reduzir calorias.

2- Optar por um padrão alimentar sustentável e saudável.

O que mais importa não é cortar carboidratos ou gorduras da alimentação, mas optar por um padrão alimentar que se consiga manter ao longo das semanas, meses e... anos. Pouco adianta uma dieta em que você emagrece vários quilos rapidamente para reganhar o peso perdido algum tempo depois. Opte por padrões alimentares saudáveis e sustentáveis.
Eu particularmente gosto bastante da dieta mediterrânea. Pra quem não está familiarizado, este padrão alimentar caracteriza-se por muitas hortaliças, grãos integrais, carnes brancas (peixes, especialmente), azeite de oliva, sementes oleaginosas e lácteos magros. Produtos prontos e altamente processados, carne vermelha e carboidratos refinados podem ser consumidos apenas muito eventualmente. Existem diversos estudos associando a dieta mediterrânea à melhora de disfunções metabólicas, entre elas o acúmulo de gordura no fígado, além de reduzir o risco de doenças cardiovasculares. Está aí um padrão alimentar no qual vale a pena investir!

3- Evitar refrigerantes, sucos e bebidas alcoólicas. Beber café.

Bebidas adoçadas são ricas em frutose. Este tipo de açúcar quando consumido em excesso pode contribuir para uma série de disfunções metabólicas. Alterações nos níveis de colesterol e triglicerídeos, aumento dos níveis de glicose, resposta inflamatória sistêmica e... esteatose hepática estão entre elas.
O consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode ser causa de danos hepáticos em qualquer pessoa. Isso é fato! Em um paciente com doença hepática gordurosa não alcoólica, existe a possibilidade de o álcool agravar ou acelerar o processo de lesão ao fígado.
Apesar te não termos estudos clínicos bem desenhados, evidências observacionais associam o consumo de café a um risco de cerca de 30 por cento menor de esteatose e fibrose hepática. Mas não vale por açúcar!

4- Evitar suplementos sem orientação médica.

Diversos estudos já avaliaram o uso de inúmeros suplementos. Vitamina E, ômega 3, resveratrol, probióticos, vitamina C, antocianinas... e a lista continua! Apenas a vitamina E mostrou certa eficácia em pacientes com evidência de esteato hepatite não alcoólica confirmada por biópsia, porém, com ressalvas quanto ao seu perfil de segurança a longo prazo. Ou seja, suplementos NÃO DEVEM ser usados sem avaliação médica criteriosa, pois existe possibilidade de poderem trazer mais prejuízos que benefícios à saúde – e ao bolso.

Resumindo, a doença hepática gordurosa não alcoólica exige mudança de hábitos. E profissionais de saúde qualificados, entre eles o endocrinologista, podem ajudar nas orientações, na motivação e no suporte ao paciente.

Referências:
1- Chalasani N et al. The Diagnosis and Management of Nonalcoholic Fatty Liver Disease: Practice Guidance From the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology, vol. 67, no. 1, 2018.
2- Plauth M. ESPEN guideline on clinical nutrition in liver disease. Clin Nutr. 2019 Apr;38(2):485-521.

Vídeo: Como tratar o FÍGADO GORDUROSO através da alimentação?



Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
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terça-feira, 23 de abril de 2019

Tratamentos que protegem os rins do paciente com diabetes tipo 2 - o que há de novo

O diabetes mellitus pode levar a diversas complicações. Entre as mais temidas está a doença renal crônica. Atualmente, a maioria dos pacientes em programas de diálise acabou nessa situação por conta do diabetes.
Depois de quase duas décadas sem grandes novidades, uma nova classe de medicamentos antidiabéticos começa a mostrar efeitos positivos na proteção renal: são os inibidores da SGLT2.


O primeiro grande estudo desenhado para avaliar especificamente o efeito de um inibidor da SGLT2 em pacientes diabéticos com alto risco de perda de função renal foi publicado em abril de 2019 no New England Journal of Medicine: o CREDENCE Trial. Para ser exato, 4401 indivíduos com diagnóstico de diabetes tipo 2 e disfunção renal (taxa de filtração glomerular entre 30 e 90 mL/min e relação albuminúria/creatininúria entre 300 e 5000 mg/g) foram sorteados para receber canagliflozina 100 mg (inibidor do SGLT2) ou placebo (comprimido sem efeito). Após cerca 2,62 anos, o estudo foi interrompido, pois o grupo recebendo o tratamento ativo estava tendo benefício considerado maior que o grupo controle. O risco de desfechos renais adversos (doença renal terminal, elevação de duas vezes na creatinina ou morte por causas renais) foi 34 por cento menor nos pacientes que usaram a canagliflozina. Foi preciso tratar 28 pacientes por 2 anos e meio para prevenir uma complicação renal grave. Além disso, houve menor incidência de complicações cardiovasculares (infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico e, especialmente, internação por insuficiência cardíaca) com perfil de efeitos adversos considerado aceitável.
Os achados do estudo CREDENCE, de fato, são animadores. No entanto algumas ressalvas merecem ser feitas.
1- estudos interrompidos antes do tempo tendem a superestimar os achados benéficos. Existe possibilidade do medicamento não ser tão bom quanto parece.
2- a população estudada tinha alto risco para problemas renais. Logo, os achados não devem ser extrapolados para pacientes com baixo risco, especialmente com níveis menores de albuminúria.
3- do ponto de vista populacional, a estratégia merece ser avaliada quanto seu custo-efetividade, já que o medicamento ainda é caro.
Em resumo, o arsenal terapêutico contra o diabetes está ganhando uma nova arma muito útil especialmente para os pacientes que já apresentam danos nos rins.

Referência: 
1- Perkovic V et al. Canagliflozin and Renal Outcomes in Type 2 Diabetes and Nephropathy. NEJM.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 24 de março de 2019

Tratamento do diabetes - melhor com o especialista

Grande parte dos pacientes com diabetes mellitus não recebe tratamento apropriado. Segundo a American Diabetes Association (ADA), são considerados indicadores de qualidade da assistência:
- proporção de pacientes com bom controle glicêmico (hemoglobina glicada abaixo de 8 ou 10 por cento)
- proporção de pacientes com adequado controle da pressão arterial
- avaliação para complicações renais anual
- avaliação do perfil lipídico (colesterol e triglicerídeos) anual
- aconselhamento quanto ao tabagismo
- avaliação da adesão ao adequado controle da glicemia capilar (testes de ponta de dedo)
- satisfação do paciente
Em outras palavras, na lista acima, temos o mínimo que um paciente com diabetes deveria receber de tratamento. Infelizmente, não é o que se observa na prática.


Existem diversas razões para a grande discrepância entre o que deveria ser feito e o que de fato é...
- O sistema de saúde e mesmo a formação médica são moldados para responder rapidamente a problemas agudos, mas deixam a desejar no manejo de doenças crônicas: caso do diabetes. 
- Alguns profissionais deixam de fazer ajustes no tratamento frente a alterações clinicamente significativas no quadro do paciente - é a "inércia terapêutica". Contribuem para isso: desconhecimento ou pouca percepção das metas terapêuticas, relutância em tratar condições assintomáticas, preocupação do paciente com a quantidade de remédios ou seus efeitos adversos, consultas com tempo reduzido e priorização no tratamento de queixas agudas frente ao manejo dos fatores de risco. Em um estudo realizado na Suíça, apenas 2/3 dos pacientes diabéticos com controle glicêmico ruim (hemoglobina glicada acima de 8 por cento) tiveram seu tratamento ajustado dentro de um período de 18 meses.
- O acesso a sistemas organizados de tratamento ainda é precário. Pacientes com diabetes que acompanham com equipes especializadas tendem a ser melhor controlados.
E aqui chegamos ao ponto!
Apesar da maioria (até 90 por cento) dos pacientes diabéticos do tipo 2 não fazerem seu acompanhamento com endocrinologistas, diversos estudos apontam para melhores resultados quando um especialista ou equipe coordenada por especialista em diabetes é responsável pelo manejo. Nos casos mais complicados ou quando há necessidade do uso de insulina, isto é ainda mais perceptível.
Especialistas em diabetes preocupam-se mais com os indicadores de qualidade da assistência (exame de fundo de olho, exame dos pés, dosagem da hemoglobina glicada, rastreamento para doença renal, avaliação dos níveis de colesterol e triglicerídeos, vacinação...), além de ajustarem o tratamento mais rapidamente quando há necessidade. Em um estudo, 73 por cento dos pacientes acompanhados por endocrinologistas preenchiam completamente os indicadores de qualidade de assistência. Já os acompanhados por não especialistas, apenas 52 por cento.
Existem muitas pessoas diabéticas no Brasil - cerca de uma em cada dez! Se é o seu caso, procure, sempre que possível, por médicos endocrinologistas ou serviços especializados. A qualidade do atendimento prestado faz muita diferença na sua qualidade de vida.

Referências:
1- Lutfiyya MN, McCullough JE, Mitchell L, Dean LS, Lipsky MS. Adequacy of diabetes care for older U.S. rural adults: a cross-sectional population based study using 2009 BRFSS data. BMC Public Health. 2011;11:940. Epub 2011 Dec 16. 
2- Wagner EH, Austin BT, Von Korff M. Organizing care for patients with chronic illness.    Milbank Q. 1996;74(4):511. 
3- Rodondi N, Peng T, Karter AJ, Bauer DC, Vittinghoff E, Tang S, Pettitt D, Kerr EA, Selby JV.  Therapy modifications in response to poorly controlled hypertension, dyslipidemia, and diabetes mellitus. Ann Intern Med. 2006;144(7):475. 
4- Pimouguet C, Le Goff M, Thiébaut R, Dartigues JF, Helmer C.  Effectiveness of disease-management programs for improving diabetes care: a meta-analysis. CMAJ. 2011 Feb;183(2):E115-27. Epub 2010 Dec 13. 
5- Verlato G, Muggeo M, Bonora E, Corbellini M, Bressan F, de Marco R. Attending the diabetes center is associated with increased 5-year survival probability of diabetic patients: the Verona Diabetes Study. Diabetes Care. 1996;19(3):211.
6- Ho M, Marger M, Beart J, Yip I, Shekelle P.  Is the quality of diabetes care better in a diabetes clinic or in a general medicine clinic? Diabetes Care. 1997;20(4):472. 

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Causas e avaliação da ginecomastia - o crescimento das mamas em homens

Chamamos de ginecomastia o aumento do tecido glandular mamário em meninos e homens, algumas vezes associado a desconforto ou sensibilidade nos mamilos. Usualmente é resultado de desbalanço hormonal e tipicamente aparece durante a infância, adolescência ou meia idade. A ginecomastia deve ser diferenciada do aumento mamário causado por acúmulo de gordura, comumente visto em homens acima do peso. Frequentemente, o aumento do tecido mamário diminui por si só, mas existem tratamentos para casos graves ou persistentes. Quando a ginecomastia é causada por alguma doença, o tratamento do problema de saúde também leva à melhora da ginecomastia.
Até 70 por cento dos adolescentes podem desenvolver ginecomastia devido às mudanças hormonais que ocorrem durante a puberdade. Na meia idade, até 65 por cento dos homens são afetados.


Causas comuns de ginecomastia

Embora se pense nos androgênios (como a testosterona) como "hormônios masculinos" e nos estrogênios como "hormônios femininos", tanto homens quanto mulheres produzem ambos os tipos. Nos homens, os androgênios predominam, mas pequenas quantidades de estrogênio também estão presentes. A ginecomastia dá as caras quando há desbalanço, com aumento relativo dos estrogênios e redução relativa dos androgênios. Este tipo de mudança hormonal pode acontecer durante a puberdade, com o envelhecimento e também com o uso de certas substâncias.
As causas mais comuns de ginecomastia em adultos são:
- ginecomastia da puberdade que não apresentou resolução espontânea - 25 por cento.
- uso de medicamentos - 10 a 25 por cento.
- causa desconhecida - 25 por cento.

Puberdade - A ginecomastia da puberdade usualmente melhora sem necessidade de tratamento dentro de 6 meses à 2 anos. A faixa etária mais comumente acometida vai dos 13 aos 14 anos. Em cerca de 20 por cento do casos, o aumento das mamas persiste além dos 17 anos.

Medicamentos - Muitos medicamentos se associam com ginecomastia, incluindo:
- espironolactona: diurético usado no tratamento da insuficiência cardíaca e pressão alta.
- cetoconazol: antifúngico.
- cimetidina, ranitidina e bloqueadores do receptor H2: antiácidos.
- esteroides anabolizantes.
Quando a ginecomastia é causado por medicamentos, a suspensão ou substituição do tratamento pode ser necessária.

Fitoterápicos - produtos cosméticos (loções, sabonetes e xampus) com óleo de lavanda ou óleo de malaleuca (tea tree) contêm fitoestrógenos que podem interferir no equilíbrio hormonal masculino. A ginecomastia causada por esses produtos é reversível após sua suspensão. Derivados de soja, em quantidades moderadas, não costumam causar crescimento do tecido mamário em homens.

Tratamento para HIV/AIDS - homens tomando coquetel para tratamento do HIV/AIDS podem apresentar crescimento das mamas. Na maioria das vezes, o aumento mamário é causado por acúmulo de gordura - efeito adverso do tratamento. Em alguns casos, ginecomastia verdadeira também ocorre.

Causa desconhecida (idiopática) - nem sempre a causa da ginecomastia é identificada. Desequilíbrios hormonais com maior proporção de estrogênios para androgênios costumam ocorrer durante o processo de envelhecimento. Este mecanismo talvez explique a maioria dos casos de ginecomastia idiopática.

Avaliação diagnóstica

A ginecomastia não deve ser confundida com pseudoginecomastia (também chamada de lipomastia), comum em homens acima do peso devido ao acúmulo de gordura na região das mamas.
O médico endocrinologista lança mão do exame físico para diferenciar o que é tecido adiposo e o que é glândula mamária. Quando essa diferenciação é difícil, exames de imagem como a ecografia e a mamografia podem auxiliar. A avaliação dos testículos também é importante. Redução do tamanho ou nódulos podem indicar problemas mais graves.
Em alguns casos, onde a causa da ginecomastia não pode ser identificada apenas com a avaliação clínica (puberdade ou uso de medicamentos, por exemplo), as dosagens hormonais são necessárias. Testosterona, estradiol, LH e HCG direcionam a investigação para causas específicas. Exemplo: um usuário de anabolizantes terá níveis elevados de testosterona e de estradiol e reduzidos de LH e de HCG.

Referência:
1 - Braunstein GD, Anawalt BD. Patient education: Gynecomastia (breast enlargement in men) (Beyond the Basics). UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 6 de janeiro de 2019

Dieta da tireoide – dá pra engolir?

“Que teu alimento seja teu remédio”. Atire a primeira pedra quem nunca viu esta frase atribuída a Hipócrates sendo usada em uma rede social para justificar os mais variados tipos de dietas. É verdade que bons hábitos alimentares auxiliam bastante na prevenção e no tratamento de doenças. Obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial e até mesmo o câncer estão entre elas. Talvez por isso, sempre que um paciente é diagnosticado com qualquer problema na tireoide, vem a pergunta: “O que eu devo comer ou deixar de comer para ajudar no tratamento?” Que orientações o endocrinologista costuma fazer quando recebe este tipo de questionamento?

Vegetais do gênero Brassica frequentemente levam a culpa por disfunções tireoidianas.
A tireoide usa iodo para produzir seus hormônios. De cara, já dá pra perceber que na deficiência deste micronutriente, a produção hormonal pode diminuir. Isto é, a baixa ingesta de iodo pode ser causa de hipotireoidismo.
Precisamos de uma alimentação que nos forneça 150 mcg de iodo todos os dias. Gestantes e mulheres amentando, precisam um pouco mais. A principal fonte de iodo alimentar é o sal de cozinha, seguido por frutos do mar e de alguns pães e cereais. No Brasil, toda dona de casa tem acesso ao sal iodado. Logo, para nós brasileiros, o hipotireoidismo por deficiência de iodo não é uma doença prevalente. Entre as poucas pessoas que apresentam maior risco de deficiência de iodo estão os veganos, especialmente se além da restrição de produtos de origem animal, também restringirem sal.
Se por um lado, a deficiência é um problema, o excesso é igualmente prejudicial à saúde. Em pessoas predispostas, o iodo a mais pode desencadear quadros tanto de hiper quanto de hipotireoidismo. Por isso, suplementos como o lugol ou o SSKI costumam fazer mais mal do quem bem à saúde.
E quanto a couve e a soja? Dá pra comer à vontade? Existe um grupo de substâncias conhecidas como goitrogênicas, isto é, com potencial de causar bócio (aumento da tireoide). Os exemplos alimentares mais comuns são os vegetais crucíferos (família da couve) e os produtos derivados da soja.
Os vegetais crucíferos, que pertencem ao gênero Brassica, incluem couve, brócolis, couve-flor, couve-de-bruxelas e repolho entre outros. São ricos em glicosinolatos, compostos que produzem sulforafano e isotiocianatos, substâncias com propriedades anticancerígenas. Porém, os glicosinolatos também incluem o metabólito tiocinato, que é capaz de inibir a síntese de hormônio tireoidiano. Ou seja, teoricamente, o consumo excessivo desses vegetais poderia causar hipotireoidismo.
Felizmente, na prática, o consumo de crucíferas precisa ser enorme para causar disfunção tireoidiana. Em um estudo, o consumo de 1 litro de suco de couve por dia por 7 dias diminuiu a captação de iodo em cerca de 2% sem efeito significativo nos níveis hormonais (2). Em um relato de caso, uma senhora chinesa de 88 anos, que consumiu cerca de 1,5 kg de acelga por dia por vários meses, acabou entrando em coma pelo hipotireoidismo (3). Exemplo extremo! O consumo moderado não tem impacto significativo no funcionamento da tireoide.
As isoflavonas, encontradas nos derivados de soja, podem inibir a atividade da enzima peroxidase tireoidiana, atrapalhando a síntese hormonal. Mais uma vez, teoricamente, a ingestão de grandes quantidades de derivados de soja poderia causar hipotireoidismo. Mas não é o que vemos na prática. Mesmo populações que consomem muita soja, como os asiáticos, não apresentam maior risco de hipotireoidismo (4).
Por fim, existem alguns estudos associando níveis baixos de micronutrientes (selênio, cobre, zinco e magnésio) a doenças autoimunes e ao câncer de tireoide. No entanto, até o momento, não existe evidência mostrando que a suplementação com estes minerais seja capaz de prevenir ou tratar doenças tireoidianas. Exceção para o uso do selênio na doença ocular leve associada a casos de hipertireoidismo (orbitopatia de Graves) (5).
Em resumo, frente à evidência atual, apesar de algumas substâncias e nutrientes terem alguma importância na fisiologia tireoidiana, não podemos afirmar que exista um padrão alimentar específico para prevenir ou tratar doenças da tireoide. Em situações muito específicas – gestante vegana, por exemplo –, ajustes na alimentação ou suplementação podem ter algum impacto, embora  não existam estudos robustos avaliando a custo-efetividade deste tipo de estratégia. Se você apresentou alteração em exames tireoidianos, antes de aderir à qualquer dieta ou fazer uso de suplementos, procure um bom endocrinologista. Felizmente, na maioria das vezes, o tratamento é simples e não exige modificação nos hábitos alimentares. 

Fontes:
1 - Leung AM. The Thyroid Diet: Is There Such a Thing? Medscape.
2 - Kim SSR, He X, Braverman LE, Narla R, Gupta PK, Leung AM. Letter to the Editor. Endocr Pract.  2017; 23(7):885-886.
3 - Chu M, Seltzer TF. Myxedema coma induced by ingestion of raw bok choy. N Engl J Med.  2010; 362(20):1945-6.
4 - Messina M, Redmond G. Effects of soy protein and soybean isoflavones on thyroid function in healthy adults and hypothyroid patients: a review of the relevant literature.
Thyroid.  2006; 16(3):249-58.
5 - Marcocci C, Kahaly GJ, Krassas GE, Bartalena L, Prummel M, Stahl M, Altea MA, Nardi M, Pitz S, Boboridis K, Sivelli P, von Arx G, Mourits MP, Baldeschi L, Bencivelli W, Wiersinga W. Selenium and the course of mild Graves' orbitopathy. N Engl J Med.  2011; 364(20):1920-31.

No vídeo, explico as principais diferenças entre HIPOTIREOIDISMO e HIPERTIREOIDISMO.



Existe DIETA DA TIREOIDE? Versão em vídeo deste texto.



Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991