domingo, 11 de dezembro de 2016

Fazendo uso correto da levotiroxina (hormônio tireoidiano)

O paciente que faz tratamento com levotiroxina, o hormônio tireoidiano, deve atentar para alguns detalhes importantes. O objetivo das recomendações a seguir é facilitar o ajuste da dose, assim como mantê-la estável.



Recomendação 1

Sempre informe seu endocrinologista do horário e maneira como está tomando a levotiroxina. A recomendação da bula é tomar o hormônio de estômago vazio, na primeira hora da manhã, idealmente 1 hora antes do café, já que alimentos podem interferir na absorção dos comprimidos. No entanto, em algumas situações, seu médico poderá fazer alguma recomendação diferente, adaptando o tratamento as suas necessidades.


Recomendação 2

Informe seu médico da marca do medicamento em uso e se foram feitas mudanças recentes na dosagem ou na marca. Nestes casos, é recomendado repetir a dosagem do TSH para se certificar que a nova apresentação ou dosagem está de acordo com suas necessidades.


Recomendação 3

Avise seu médico sobre o uso de outros medicamentos. Alguns medicamentos de uso corrente podem interferir na função tireoidiana e fazer com que a dose de levotiroxina precise ser ajustada.
São medicamentos que podem exigir aumento da dose da levotiroxina: lítio, amiodarona, xaropes para tosse, carbonato de cálcio, sulfato ferroso, omeprazol entre outros.
São medicamentos que podem exigir diminuição da dose da levotiroxina: amiodarona, medicamentos contendo iodo ou que interfiram na imunidade.


Recomendação 4

Crie uma rotina e tome a levotiroxina todos os dias da mesma maneira. Eventualmente, se esquecer de tomar a medicação, ingira o comprimido assim que puder, independentemente do horário. Faça disso a exceção e não a regra. A tomada diária, de maneira correta, é importante para se manter os níveis hormonais estáveis.


Vídeo 1: Como tomar corretamento o hormônio da tireoide?



Vídeo 2: O que fazer quando esquecer de tomar o hormônio da tireoide?



Siga corretamente as recomendações acima e visite regularmente seu endocrinologista.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
Santa Maria - RS

Texto revisado em 26 de junho de 2020.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Beber água pode ajudar a perder peso

Tão importante quanto o que se come, é o que se bebe. Enquanto bebidas como refrigerantes e sucos processados estão associados ao ganho de peso e ao surgimento de problemas de saúde como diabetes mellitus e doenças cardiovasculares, o consumo de água pode dar uma forcinha na redução do peso.



Um estudo publicado em 2010 na revista médica Obesity avaliou se a ingestão de água antes das principais refeições poderia ajudar na redução do peso. Os pesquisadores dividiram 48 adultos, com idade entre 55 e 75 anos e sobrepeso ou obesidade em dois grupos. Um grupo recebeu apenas orientação de dieta com redução de calorias. O outro grupo, além da mesma dieta, recebeu a orientação de ingerir 500 mL (meio litro) de água antes da principais refeições. Após 12 semanas, o grupo que bebia o equivalente a 2 copos de água imediatamente antes do almoço e da janta emagreceu cerca de 2 quilos a mais em comparação ao grupo que não foi orientado a beber água. Uma redução de 44 porcento! segundo a avaliação dos pesquisadores, beber água antes das refeições diminuiu em média 40 calorias no tamanho da porção. Parece pouco, mas ajudou a fazer a diferença a longo prazo.
Como trata-se de uma medida comportamental simples e barata para ajudar na redução do peso, vale muito criar o hábito de beber 2 copos de água antes das principais refeições. Também vale eliminar refrigerantes e outras bebidas calóricas. Sua saúde agradece!

Fonte:
1- Dennis EA, Dengo AL, Comber DL, Flack KD, Savla J, Davy KP, Davy BM. Water consumption increases weight loss during a hypocaloric diet intervention in middle-aged and older adults. Obesity (Silver Spring). 2010 Feb;18(2):300-7.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Disfunção mínima da tireoide: o hipertireoidismo subclínico

Por diversas vezes são realizados exames de laboratório pelos mais diversos sintomas ou como parte de avaliação médica de rotina. Alguns exames podem apresentar alterações discretas, entre eles os hormônios da tireoide.
O hipertireoidismo subclínico é a disfunção mínima da tireoide caracterizada por níveis baixos de TSH e normais de T4 e T3 livres. É uma condição de diagnóstico laboratorial, já que apresenta sintomas vagos e inespecíficos, apesar de algumas pessoas referirem palpitações, ansiedade e calor excessivo, principalmente se o TSH estiver abaixo de 0,1 mU/L.
A estimativa atual é de que aproximadamente duas em cada 100 pessoas sejam acometidas pelo hipertireoidismo subclínico. Idosos e mulheres, com maior frequência.



Entre as principais causas de hipertireoidismo subclínico estão:
– uso excessivo de hormônio tireoidiano;
– bócio difuso tóxico (Doença de Graves);
– tireoidites.
Apesar de muita controvérsia, estudos sugerem que o hipertireoidismo subclínico esteja associado a arritmias cardíacas (principalmente à fibrilação atrial), aumento do risco de morte por problemas cardíacos em homens idosos e diminuição da massa óssea em mulheres após a menopausa. Contudo, o quanto o tratamento é capaz de ajudar nessas questões ainda é motivo de pesquisa.
O tratamento deve ser individualizado. Leva-se em consideração a causa do hipertireoidismo subclínico, a idade e o sexo do paciente, assim como os níveis de TSH. Por exemplo, para pacientes com mais de 65 anos e TSH menor que 0,1 mU/L recomenda-se tratamento devido ao risco de arritmias. Já pacientes jovens, com TSH entre 0,1 e 0,4 mU/L e assintomáticos, podem ser apenas acompanhados sem tratamento já que possuem chance de 50% de reverter espontaneamente o hipertireoidismo subclínico dentro de 5 anos.
Caso você tenha feito algum exame de tireoide e este tenha mostrado resultados alterados, procure um endocrinologista e faça uma avaliação. É importante para que se escolha a melhor abordagem terapêutica.


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Terapia hormonal da mulher transgênero (transexualismo - male to female - MTF)

Para a boa compreensão deste texto, é importante a compreensão dos seguintes termos:
1- Identidade de gênero: a percepção do indivíduo em sentir-se do sexo masculino, feminino, de nenhum ou de ambos.
2- Sexo biológico: tipicamente definido de acordo com a genitália externa ou pelos cromossomos sexuais.
3- Expressão do gênero: como o indivíduo expressa seu gênero no mundo real, através da forma de agir, vestir-se, comportar-se.
4- Incongruência ou disforia de gênero: desconforto ou sofrimento que pode ocorrer quando o sexo biológico não é completamente compatível com a identidade de gênero.
5- Orientação sexual: comportamentos envolvendo a prática sexual (homossexual, heterossexual, bissexual).
6- Mulher transgênero: indivíduo com identidade de gênero feminina com sexo biológico masculino.
7- Homem transgênero: indivíduo com identidade de gênero masculina com sexo biológico feminino.



Após o diagnóstico apropriado da incongruência de gênero e discussão dos riscos e benefícios da tratamento, a mulher transgênero poderá iniciar a terapia hormonal com o endocrinologista. O tratamento consiste basicamente na supressão dos androgênios produzidos pelos testículos e reposição de estrogênio, com a pretensão de diminuir pelos no rosto, aumentar o tamanho das mamas e tornar os contornos do corpo mais femininos. Vamos entender, passo a passo, como funciona.
A reposição de estrogênios usualmente é feita através da administração de 17-beta-estradiol por via oral ou transdérmica. O 17-beta-estradiol é especialmente útil por permitir que os níveis no sangue sejam monitorados, além de apresentar menor risco de trombose quando comparado ao etinilestradiol (este, não recomendado). A reposição de estrogênio, além de ser responsável pelas mudanças corporais desejadas pela mulher transgênero, também é capaz de suprimir a produção de androgênios. A administração do 17-beta-estradiol sozinha já é capaz de inibir a produção das gonadotrofinas (LH e FSH), assim diminuindo a produção de testosterona pelos testículos. A paciente é monitorada regularmente para que os níveis de estradiol sejam mantidos abaixo de 200 pg/mL e de testosterona, abaixo de 55 ng/dL. Em grande parte dos casos, além do uso de estrogênios, também são usados medicamentos para inibir a secreção ou a ação dos androgênios.
Para "combater" os androgênios, cujo principal é a testosterona, temos à disposição como primeira linha de tratamento a espironolactona e a ciproterona. A espironolactona é um antagonista do receptor mineralocorticoide que apresenta efeitos de inibição competitiva do receptor androgênico além de inibir a esteroidogênese testicular, ou seja, é capaz de bloquear tanto a produção quanto a ação da testosterona. Já a ciproterona tem efeito de suprimir a produção de gonadotrofinas, devido ao seu efeito progestágeno, além de bloquear a ação dos androgênios. Como segunda linha, temos os agonistas do GnRH, medicamentos injetáveis e de alto custo, que inibem a produção do FSH/LH e consequentemente de testosterona. Estas modalidades de tratamento podem ser usadas enquanto a paciente ainda tiver os testículos.
Os efeitos esperados da terapia hormonal da mulher transgênero são:
Pelos (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo a partir de 3 anos): alguns pelos como os da barba podem ser resistentes à terapia hormonal, necessitando do uso de medidas complementares como o laser.
Mamas (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo em 2 a 3 anos): Pode haver sensibilidade durante o desenvolvimento mamário. A adequada inibição dos androgênios potencializa o efeito do 17-beta-estradiol. As pacientes precisam participar de exames de rastreamento de câncer de mama como qualquer mulher.
Pele (início do efeito em 3 a 6 meses): Com a tratamento a pele costuma ficar menos oleosa e mais macia. Em alguns caso, pode ficar seca e as unhas podem ficar quebradiças.
Composição corporal (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo em 1 a 3 anos): É esperada uma redução no volume e na força muscular com acúmulo de gordura nos quadris, tornando as medidas corporais mais femininas.
Voz (não muda): A voz não muda com o tratamento. A paciente é aconselhada a fazer terapia da fala com fonoaudiólogo.
Testículos e próstata (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo com muitos anos): O tratamento leva a atrofia progressiva dos testículos e redução do volume da próstata. Logo, pacientes que desejem manter a fertilidade devem ser devidamente aconselhados antes do início do tratamento. Paciente que permanecem com a próstata também devem fazer exames periódicos de prevenção como qualquer paciente do sexo masculino.
Função sexual (início do efeito em 1 a 3 meses - efeito máximo em 3 a 6 meses): A terapia hormonal da mulher transgênero leva a redução da libido, das ereções e da ejaculação em graus variados. Algumas pacientes, que desejam manter a função sexual, precisam ter as doses da terapia ajustadas. Nas pacientes que fazem cirurgia genital, a função sexual é variável e dependente da função sexual antes do procedimento, do tipo da cirurgia realizada e dos níveis hormonais.
Por fim, o acompanhamento regular com endocrinologista familiarizado com este tipo de tratamento deve ser frequente e regular para que se evite consequências tanto do excesso ou quanto da deficiência hormonal, tais como: problemas na libido, fragilidade óssea, aumento no risco de trombose ou mesmo de câncer.

Fonte: Transgender women: Evaluation and management

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Avaliação clínica inicial do paciente transgênero (transexual)

Para a boa compreensão deste texto, primeiramente precisamos estar familiarizados com os seguintes termos:
1- Identidade de gênero: a percepção do indivíduo em sentir-se do sexo masculino, feminino, de nenhum ou de ambos.
2- Sexo biológico: tipicamente definido de acordo com a genitália externa ou pelos cromossomos sexuais.
3- Expressão do gênero: como o indivíduo expressa seu gênero no mundo real, através da forma de agir, vestir-se, comportar-se.
4- Incongruência ou disforia de gênero: desconforto ou sofrimento que pode ocorrer quando o sexo biológico não é completamente compatível com a identidade de gênero.
5- Orientação sexual: comportamentos envolvendo a prática sexual (homossexual, heterossexual, bissexual).
6- Mulher transgênero: indivíduo com identidade de gênero feminina com sexo biológico masculino.
7- Homem transgênero: indivíduo com identidade de gênero masculina com sexo biológico feminino.



Diferentes estudos sugerem que entre 0,3 e 0,8 por cento da população seja transgênera. A maioria destas pessoas procura assistência médica e psicológica no início da vida adulta ou na adolescência, apesar de muitos referirem desconforto mesmo antes da puberdade. Hoje, com maior exposição na mídia, maior aceitação social e maior acesso à assistência, os indivíduos transgênero tendem a buscar mais cedo os serviços de saúde. Algumas vezes são procurados os serviços de saúde mental pelo sofrimento psicológico causado pela incongruência de gênero. Outras vezes, o endocrinologista é procurado para prescrição hormonal. No entanto, a abordagem do paciente transgênero é multidisciplinar.
Embora muitos pacientes transgênero sejam de fácil identificação, outros podem ter o diagnóstico dificultado por problemas de saúde mental concomitantes. Logo, a disforia ou incongruência de gênero deve ser diagnosticada por profissional da saúde qualificado e experiente, geralmente da área de saúde mental (psiquiatra). Alguns pacientes, por receio de sofrerem rejeição por parte do profissional de saúde ou por ansiedade em querer começar rapidamente o tratamento, acabam pulando esta etapa, o que não é aconselhável. Neste momento, além do diagnóstico preciso, o paciente transgênero conhece os riscos e benefícios da terapia, bem como apresenta suas expectativas. Quando estas expectativas são pouco realistas, precisam ser trabalhadas. O contato com outros pacientes transgênero é útil em esclarecer dúvidas quanto a problemas pessoais e sociais que poderão surgir. O suporte da família e dos amigos também é importante.
As mudanças físicas induzidas pelo tratamento não são iguais em todos os pacientes, ou seja, depende da biologia de cada pessoa. Algumas mudanças podem aparecer rapidamente, outras demoram mais tempo e podem não ser completas. Estas transformações são difíceis de prever e podem não se correlacionar perfeitamente com a reposição hormonal. Logo, o paciente deve estar preparado para monitorização frequente e assimilação progressiva das alterações no seu dia a dia.
O tratamento do paciente transgênero pode levar à perda da fertilidade. Por isso, questões relacionadas a filhos e constituição de família devem ser discutidas.
Por fim, a individualização é muito importante. Enquanto alguns pacientes preocupam-se apenas com traços do rosto, com pelos e mamas, outros podem preocupar-se com a mudança da genitália. O tratamento individualizado visa garantir bem estar físico, psicológico e sexual, ou seja, qualidade de vida e satisfação ao paciente.

Fonte: Transgender women: Evaluation and management - UpToDate OnLine.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

domingo, 6 de novembro de 2016

Refrigerante, o novo cigarro

Nossa! Quanto exagero comparar refrigerantes, ou mesmo outras bebidas açucaradas, ao cigarro. Será mesmo? Vamos entender o porquê desta comparação “maluca”...
Neste ano de 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou aumentar os impostos sobre refrigerantes e outras bebidas doces em pelo menos 20 por cento. Prontamente, o governo do Reino Unido anunciou aumento de impostos para os refrigerantes a partir de 2017. Como bons brasileiros, sempre temos um pé atrás com aumento de tributos. Mas a Universidade de Oxford fez uma análise estatística do impacto desta medida para os ingleses: o aumento de 20% no preço, levaria a redução na ingestão de açúcar (sim, refrigerantes contêm muito açúcar) de 15%. Esta pequena diminuição no consumo já seria capaz de prevenir que 180 mil pessoas se tornassem obesas em 1 ano! Sem falar num número ainda maior de pessoas que deixariam de engordar (1).



Se o problema se restringisse apenas ao peso... mas diferentes estudos associam o consumo excessivo de açúcar ao aumento na incidência de diabetes mellitus, mesmo em pessoas com peso normal. Além disso, independentemente do índice de massa corporal e do grau de atividade física, quem consome mais açúcar corre um risco maior de morrer de doenças cardíacas e vasculares (2).
Mas se o problema é o açúcar, por que culpar só os refrigerantes? Por dois motivos muito importantes: 1- os refrigerantes são responsáveis por cerca de 1/3 de todo o açúcar consumido. 2- a indústria destas bebidas tenta de toda forma esconder o quanto o “refri” faz mal à sua saúde.
Desde que os primeiros estudos correlacionando o fumo ao câncer de pulmão foram publicados, demorou cerca de 50 anos até que políticas públicas de restrição de consumo fossem plenamente implementadas. No início, a indústria do tabaco esperneou negando a associação do seu produto com doenças, lançando dúvidas para confundir o público e, pior, comprando a lealdade de cientistas e políticos corruptos. Apesar disso, nas últimas 3 décadas, a redução do tabagismo preveniu muitas mortes por câncer e doenças cardiovasculares.
A indústria do refrigerante não fez diferente: tentou associar a epidemia de obesidade, diabetes e doenças vasculares ao consumo de gordura e à inatividade física, isentando o açúcar. Nesse processo, cientistas e políticos também foram corrompidos. Por fim, esta indústria está lavando as mãos e dizendo que a responsabilidade por optar pelo produto pouco saudável é sua, o consumidor!
A verdade é que a briga está apenas começando... Assim como no combate ao fumo, além de impostos mais altos, as bebidas doces (refrigerantes, sucos processados, néctares, isotônicos, etc) precisam ter a publicidade devidamente regulada e serem desvinculadas de atividades saudáveis como esportes. Isso salvou vidas no passado e vai salvar mais vidas no futuro. Se o refrigerante realmente é o novo cigarro, vamos começar a tratá-lo desta forma!

Fontes:
1- Briggs ADM, Mytton OT, Kehlbacher A, et al. Overall and income specific effect on prevalence of overweight and obesity of 20% sugar sweetened drink tax in UK: econometric and comparative risk assessment modelling study. BMJ. 2013;347:f6189. 
2- Yang Q, Zhang Z, Gregg EW, Flanders WD, Merritt R, Hu FB. Added sugar intake and cardiovascular diseases mortality among US adults. JAMA Intern Med. 2014;174:516-524. 
3- Aseem Malhotra. Sugar Is the New Tobacco, so Let's Treat It That Way. Medscape Public Health.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

domingo, 23 de outubro de 2016

Câncer de mama e diabetes mellitus

O Outubro Rosa é a época do ano em que se chama mais a atenção para o câncer de mama, a neoplasia maligna mais comum em mulheres. Cerca de 16 por cento das pacientes acometidas pelo câncer de mama também têm diagnóstico de diabetes mellitus. Mas será que o diabetes aumenta o risco ou piora o prognóstico do câncer de mama?



Há mais de um século sabemos que o diabetes mellitus está associado a alguns tipos de câncer, como pâncreas e endométrio. Contudo, a associação com o câncer de mama parece ser mais complexa e algumas questões permanecem sem respostas definitivas. Tanto o câncer de mama quanto o diabetes compartilham fatores de risco em comum. Obesidade e idade avançada aumentam a chance de desenvolver ambas as doenças. Existem pelo menos 3 possíveis mecanismos que ajudam a explicar uma possível associação do câncer de mama com o diabetes.
Pacientes diabéticas do tipo 2 apresentam resistência a ação da insulina e, pelo menos em fases iniciais da doença, excesso de produção de insulina. Existem receptores de insulina (IR) no tecido mamário. A ativação destes receptores pode ativar a proliferação desordenada de células mamárias em alguns casos. Alguns estudos sugerem uma maior expressão dos IR em tumores mamários.
Existe um segundo tipo de receptor, chamado receptor para o IGF1 (IGF1R), que também é capaz de estimular a proliferação celular em algumas circunstâncias. Este receptor tem uma semelhança de 55% com o receptor da insulina. Além disso, o IGF1R e o IR podem se hibridizar, isto é, os dois receptores podem se combinar em um só. Talvez os níveis elevados de insulina possam também estimular o IGF1R e levar a proliferação celular.
Por fim, o diabetes aumenta a produção de estrogênios e androgênios especialmente nas suas formas livres, pois diminui os níveis da SHBG, proteína que se liga a estes hormônios. Como o câncer de mama é sabidamente hormônio dependente, o diabetes poderia aumentar o risco desta neoplasia também por esta via.
Contudo, apesar de evidências de que a associação entre câncer de mama e diabetes exista, ainda não podemos afirmar que o diabetes por si só seja fator causal, já que, como dito anteriormente, as duas doenças compartilham fatores de risco. Além disso, o possível aumento de risco de câncer entre 10 e 20 por cento em mulheres diabéticas não vale para as pacientes com diabetes mellitus do tipo 1. Apenas pacientes com diabetes decorrente de aumento da resistência a ação da insulina (tipo 2 e diabetes gestacional) parecem ter aumento no risco de câncer de mama. 
De qualquer forma, as pacientes portadoras de diabetes mellitus de qualquer tipo devem mais do que qualquer mulher ser orientadas a participar dos programas de rastreamento do câncer com mamografia. Outro ponto importante é a assistência médica diferenciada no caso de diagnóstico do câncer de mama. As pacientes diabéticas têm potencial maior de apresentarem complicações cirúrgicas, da radioterapia e da quimioterapia. Logo, o contato direto e constante do mastologista, do oncologista e do endocrinologista é imprescindível para o sucesso do tratamento.
Fonte:
1- Wolf I, Sadetzki S, Catane R, Karasik A, Kaufman B. Diabetes mellitus and breast cancer. Lancet Oncol. 2005;6(2):103

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Café e hormônio da tireoide

Pacientes com diagnóstico de hipotireoidismo precisam receber reposição de hormônio tireoidiano, a levotiroxina. Para garantir a boa absorção do medicamento, o comprimido deve ser ingerido ao acordar, em jejum, com um copo de água. Além disso, deve-se esperar de 30 a 60 minutos para comer.



Uma pergunta muito frequente é: "Já que não posso comer por 30 a 60 minutos, posso ao menos tomar uma xícara de café?" Não! Vamos entender por quê...
Um grupo de pesquisadores italianos estudou o efeito da ingestão do café na absorção da levotiroxina. Para isso, avaliou os níveis sanguíneos do hormônio tireoidiano durante um período de 4 horas após a ingestão do comprimido. Em momentos diferentes, os voluntários da pesquisa ingeriram 100 mcg de levotiroxina com água, café ou água seguida de café após 60 minutos de intervalo. As pessoas que ingeriram os comprimidos juntamente com o café apresentaram uma redução na absorção de 27 a 36 por cento. É como se tivessem tomado apenas 2/3 da dose do comprimido! O consumo de café após 60 minutos não interferiu na absorção do hormônio tireoidiano.
Logo, além de não comer no intervalo de 30 a 60 minutos após a ingestão da levotiroxina, o paciente com hipotireoidismo deve evitar o consumo de café, já que esta bebida pode interferir na absorção do medicamento e dificultar o ajuste da dose da medicação.

Fonte:
1- Benvenga S, Bartolone L, Pappalardo MA, Russo A, Lapa D, Giorgianni G, Saraceno G, Trimarchi F. Altered intestinal absorption of L-thyroxine caused by coffee. Thyroid. 2008;18(3):293.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

domingo, 25 de setembro de 2016

Refrigerantes: questão de saúde pública

Já é de conhecimento geral a epidemia de doenças metabólicas em que vivemos, das quais se destacam a obesidade e o diabetes mellitus tipo 2. O estilo de vida moderno, caracterizado por sedentarismo e alimentação inapropriada, é o grande responsável pelo aumento dessas patologias. A estratégia de combate à obesidade e ao diabetes envolve medidas comportamentais tomadas pela própria população e medidas socioambientais que podem contar com o suporte de políticas públicas.



A alimentação leva em conta não apenas o que se come, mas também o que se bebe. Nos últimos anos, a literatura médica tem trazido cada vez mais informações a respeito dos prejuízos que as bebidas adoçadas artificialmente, sejam elas refrigerantes, sucos industrializados ou isotônicos, podem causar à saúde. Evidências são cada vez mais fortes de que o consumo regular de refrigerantes possa, além de aumentar o peso, causar diabetes, e pior, aumentar a incidência de doenças cardiovasculares como infartos do miocárdio e isquemias cerebrais em cerca de 20%. Só a título de comparação, o cigarro aumenta esse risco em 27%.
Grande parte dessas “novidades” acaba não chegando ao grande público, principalmente devido ao lobby de uma das indústrias mais poderosas do mundo, que muitas vezes está presente até em eventos da classe médica. Em 2016, o principal fabricante de refrigerantes foi considerada a décima terceira marca mais valiosa do planeta segundo o relatório Brandz!
Então, o que fazer para nos “protegermos” dos refrigerantes? Em primeiro lugar, temos de mudar nossos hábitos. Está com sede? Beba água. Ensine sua família, seus filhos e seus amigos a fazer isso e explique as vantagens. Em segundo lugar, e a meu ver uma estratégia de suma importância, exigir políticas que desestimulem o consumo. Veja bem, não estou falando em proibir o consumo, mas, sim, induzir que se consuma menos.
São medidas socioambientais plausíveis para políticas públicas nas diferentes esferas: em nível municipal, exigir que os estabelecimentos de alimentação ofertem água potável da rede (não engarrafada) de forma gratuita, como qualquer país civilizado faz. Em nível estadual, aumentar a carga tributária sobre esse tipo de bebida e, ao mesmo tempo, desonerar opções saudáveis como frutas e verduras. Em nível federal, regular a propaganda, que, aliás, é muito mal-intencionada, pois sempre associa esse tipo de bebida a hábitos saudáveis, e não à obesidade, o que seria mais sensato.
Resumindo, beba menos refrigerantes e ajude outras pessoas a também diminuir o consumo. Além disso, cobre para que seus representantes façam o mesmo. A saúde de todos agradece.

Fonte:
1- Narain A, Kwok CS, Mamas MA. Soft drinks and sweetened beverages and the risk of cardiovascular disease and mortality: a systematic review and meta-analysis. Int J Clin Pract. 2016 Jul 25. doi: 10.1111/ijcp.12841.


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Consumo de ovos e diabetes mellitus

Uma pergunta sempre gerava debate quando eu ainda estava na escola: “Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?” Segundo a teoria evolucionista, o ovo chegou primeiro. E as galinhas são primas bem distantes dos dinossauros (!). Hoje a pergunta que gera polêmica é outra: “Comer um montão de ovos é bom para quem convive com o diabetes?” Vejamos o que os estudos nos dizem...


Os ovos de galinha são ricos em colesterol, isto é fato. No entanto, também são ricos em uma série de nutrientes interessantes. Além de serem uma importante fonte de proteína, os ovos oferecem compostos carotenoides, arginina e folato, que, teoricamente, poderiam ajudar a proteger nosso sistema cardiovascular. Sem falar nas versões ricas em ômega 3. Contudo, como sempre digo, a ciência cria hipóteses que precisam ser testadas. Só assim, sabemos se uma intervenção funciona.
Desde metade do século 20, os ovos são matéria de estudo de médicos e nutricionistas. Um dos maiores estudos populacionais já realizados, o estudo Framingham, avaliou o efeito do consumo de ovos nos seus participantes dentro de um período de 24 anos. Neste estudo, o consumo médio de 6 ovos por semana para homens e 4 ovos por semana para mulheres não aumentou o risco de problemas cardíacos. Contudo, as pessoas que consumiam muitos ovos apresentaram uma chance um pouco maior de desenvolver diabetes mellitus tipo 2.
Outros dois grandes estudos, o HPFS e o NHS, que juntos totalizaram quase 120 mil pessoas, conseguiram avaliar o efeito do consumo de ovos especificamente em pessoas com diagnóstico de diabetes. Segundo dados destes estudos, pacientes diabéticos que consumiam mais de 1 ovo por dia apresentaram um risco maior de sofrer doenças cardíacas e vasculares. Posteriormente outro estudo, o HPS, mostrou um risco maior de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte para os pacientes diabéticos que consumiam mais de 7 ovos por semana.
Há diversas críticas a estes estudos, principalmente por terem sido feitos na população americana, que não tem uma dieta muito saudável. Além disso, existem estudos em outros países mostrando dados diferentes. No entanto, as análises de todo o conjunto de dados sobre o assunto “consumo de ovos em pacientes diabéticos”, através de revisões sistemáticas, mostram que o consumo de apenas 1 ovo por dia já pode aumentar o risco de diabetes mellitus tipo 2 em 42 por cento. E, em pessoas já diabéticas, 7 ou mais ovos por semana parecem aumentar o risco de doenças cardiovasculares.
Isto quer dizer que ovos não devem ser consumidos por pessoas diabéticas ou em alto risco para a doença? Não. Nenhum alimento isolado causa ou trata o diabetes mellitus. Padrões alimentares e comportamentais associados à carga genética estão por trás da doença. Mas, com certeza, o consumo exagerado de ovos pregado em algumas dietas vendidas indiscriminadamente através da internet não encontra respaldo científico e pode ser potencialmente prejudicial à saúde. Até que a ciência tenha respostas mais definitivas sobre o assunto, até meia dúzia de ovos por semana, dentro de uma dieta equilibrada, não parece fazer mal à saúde de quem convive com diabetes. E sempre que houver dúvidas, profissionais éticos e atualizados devem ser consultados para que as individualidades de cada paciente sejam respeitadas.

Fontes:
1- Fuller NR, Sainsbury A, Caterson ID, Markovic TP. Egg Consumption and Human Cardio-Metabolic Health in People with and without Diabetes. Nutrients. 2015 Sep 3;7(9):7399-420.
2- Shin JY, Xun P, Nakamura Y, He K. Egg consumption in relation to risk of cardiovascular disease and diabetes: a systematic review and meta-analysis. Am J Clin Nutr. 2013 Jul;98(1):146-59.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Pílula anticoncepcional engorda?

Muitas mulheres, e mesmo médicos, acreditam que o uso de pílulas anticoncepcionais possa levar a aumento de peso. O medo de engordar, algumas vezes, piora a adesão e leva ao abandono do tratamento. Contudo, a literatura científica indica que este medo possa ser irracional...



O maior estudo sobre o assunto foi publicado no ano de 2014 e está disponível na biblioteca Cochrane de revisões sistemáticas. Foram incluídos na análise 49 estudos menores que avaliaram o peso das pacientes expostas a diferentes tipos de pílulas anticoncepcionais. Destes, quatro estudos comparavam as pílulas ao placebo. O ganho de peso não foi diferente entre as mulheres que usaram das que não usaram os anticoncepcionais.
Outro estudo, este não randomizado, comparou 49 mulheres que usaram pílulas anticoncepcionais com 31 que não usaram. Foram avaliados peso, índice de massa corporal, gordura corporal, água corporal e relação cintura quadril antes do início do tratamento e após 6 ciclos menstruais. Número similar de mulheres ganhou cerca de meio quilo nos dois grupos (30,6% nas usuárias de pílula versus 35,4% nas não usuárias). Além disso, 20% das mulheres em ambos os grupos perderam peso (!).
Então, respondendo a pergunta inicial, o uso de pílulas anticoncepcionais modernas, de baixa dosagem hormonal, não parece aumentar o peso de maneira significativa nem piorar a composição corporal. Logo, receio em ganhar peso não deve ser uma contraindicação ao uso destes medicamentos, que além de prevenir a gestação de forma eficaz, são muito úteis no tratamento de diversos distúrbios menstruais e do hiperandrogenismo.

Fontes:
1- Reubinoff BE, Grubstein A, Meirow D, Berry E, Schenker JG, Brzezinski A. Effects of low-dose estrogen oral contraceptives on weight, body composition, and fat distribution in young women. Fertil Steril. 1995;63(3):516.

2- Gallo MF, Lopez LM, Grimes DA, Carayon F, Schulz KF, Helmerhorst FM. Combination contraceptives: effects on weight. Cochrane Database Syst Rev. 2014.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

domingo, 14 de agosto de 2016

Pílula anticoncepcional e tireoide

Os hormônios fabricados pela glândula tireoide, T4 e T3, logo após secretados, "embarcam" no seu principal meio de transporte na nossa circulação, uma proteína fabricada no fígado chamada de globulina ligadora da tiroxina, ou TBG. Além de transportar os hormônios tireoidianos, a TBG garante uma quantidade constante e imediata para os diferentes tecidos. T4 e T3 precisam "desembarcar" da TBG, isto é, estar em suas formas livres.  São os hormônios livres que entram nas células para exercerem suas funções biológicas. Logo, a TBG não só transporta como também mantém os hormônios da tireoide "quietinhos" até que sejam solicitados.


Nas pílulas anticoncepcionais combinadas estão presentes hormônios estrogênicos como o etinilestradiol ou o próprio estradiol. Os estrogênios estimulam o fígado a fabricar mais TBG. Isto pode ter consequências importantes na fisiologia tireoidiana, especialmente em pacientes com hipotireoidismo.
Pacientes que fazem uso de pílula contraceptiva e NÃO TÊM disfunção da tireoide, apenas poderão apresentar elevação nos níveis das formas hormonais ligadas à TBG (T4 e T3 totais). Como a fração livre permanece inalterada, não há consequências clínicas do tratamento na função da tireoide.
Já nas pacientes que TÊM diagnóstico de hipotireoidismo, pode haver piora do quadro. No início do tratamento com a pílula anticoncepcional, o aumento dos níveis de TBG pode reduzir os níveis de T4 livre e, por consequência, o TSH poderá subir, indicando necessidade de aumento na dose da levotiroxina. Mulheres com hipotireoidismo na pós menopausa que iniciam terapia de reposição hormonal também podem apresentar quadro parecido.
Sempre informe ao seu médico sobre o uso de pílulas anticoncepcionais ou outras terapias hormonais. Esta informação é importante tanto para a correta interpretação dos exames de função tireoidiana quando para o ajuste correto do tratamento do hipotireoidismo.

Fonte: Treatment of hypothyroidism - Up To Date On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576



quarta-feira, 27 de julho de 2016

Vitamina D e diabetes mellitus

O interesse por vitaminas para a prevenção de doenças não é novo. Na década de 1980, as vitaminas A e E ganhavam os holofotes. Estudos epidemiológicos sugeriram que estas vitaminas antioxidantes pudessem prevenir câncer e doenças cardiovasculares. Foi motivo de muita euforia e expectativa. Descobria-se um tratamento natural e barato para prevenir doenças prevalentes e graves. No entanto, em ciência, toda hipótese, por mais sensata que possa parecer, precisa ser devidamente testada. Foram desenhados grandes estudos nos quais se fornecia vitaminas para pacientes em risco de câncer ou de doenças cardiovasculares de maneira aleatória e controlada por placebo (ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, controlados por placebo). No início da década de 1990, os resultados destes estudos começaram a ser publicados em importantes revistas médicas. Para decepção geral, a suplementação com vitamina A aumentou o risco de câncer de pulmão e teve efeito neutro na mortalidade cardiovascular. A vitamina E não ajudou a prevenir doenças cardíacas e vasculares e aumentou o risco de câncer de próstata e de morte. A história da ciência traz lições importantes...



Hoje é a vitamina D que está na moda! Esta vitamina participa na regulação do metabolismo do cálcio, garantindo saúde óssea e ajudando a prevenir fraturas. Além disso, a vitamina D parece desempenhar outras funções biológicas. Diferentes estudos associam sua deficiência a diversos problemas de saúde. Câncer, doenças autoimunes (como esclerose múltipla e artrite reumatoide), doenças infecciosas (como tuberculose e viroses), doenças neurológicas, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares já foram associadas à deficiência de vitamina D. E os diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 não ficaram de fora!
Estudos observacionais e de caso-controle sugerem que a deficiência de vitamina D possa estar associada ao desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 1 em crianças. Alguns estudos pequenos e não controlados também sugerem que uma suplementação na infância possa ajudar a prevenir a doença. No entanto, até o momento, não existem estudos robustos confirmando estes achados preliminares.
Pacientes obesos e com diabetes mellitus tipo 2 frequentemente apresentam deficiência de vitamina D, mas o excesso de peso parece ser o culpado pela deficiência da vitamina e não o inverso. Uma revisão sistemática de 21 estudos evidenciou que quanto menores os níveis de vitamina D no sangue, maior o risco de diabetes mellitus tipo 2. Outros estudos também sugerem associação da deficiência com mais gordura abdominal e síndrome metabólica. E uma única substância natural e barata desponta como um promissor tratamento para diversos males! Conhecemos uma história parecida, não? E a ciência parte para testar a hipótese de que a suplementação de uma vitamina possa ser útil na prevenção de doenças prevalentes e graves mais uma vez...
Uma revisão sistemática dos estudos que procuraram testar se a suplementação de vitamina D poderia ajudar a diminuir o risco cardiovascular encontrou 18 ensaios clínicos que avaliaram este tipo de tratamento. Para grande decepção, a vitamina D não ajudou a prevenir diabetes nem doenças cardiovasculares. Apresentou apenas um efeito muito discreto na pressão arterial sistólica: reduziu em média 1,9 mmHg. Isto quer dizer que num paciente com pressão de 140/90 mmHg, o efeito médio foi redução para 138,1/90 mmHg. Quase nada!
Mas isso quer dizer que a vitamina D não é importante para quem é diabético ou apresenta risco para esta doença? Não! Isto quer dizer que até o momento a suplementação de vitamina D não se mostrou eficaz para prevenir ou tratar o diabetes mellitus, logo, não pode ser recomendada com estas finalidades. Se doses mais elevadas, maior tempo de uso, maior exposição ao sol podem fazer diferença, ainda não sabemos. Estudos precisam ser feitos para avaliar estas hipóteses.
Assumir que um tratamento, por mais inofensivo que possa parecer, é eficaz, além de gerar custos desnecessários, pode expor pessoas a riscos ainda desconhecidos. Basta lembrar dos pacientes que foram tratados com suplementação de vitaminas A e E e que tiveram mais câncer por causa disso...

Fontes:
1- Ciência Picareta - Ben Goldacre - Ed. Civilização Brasileira
2- Vitamin D and extraskeletal health - Up To Date On Line
3- Song Y, Wang L, Pittas AG, Del Gobbo LC, Zhang C, Manson JE, Hu FB. Blood 25-hydroxy vitamin D levels and incident type 2 diabetes: a meta-analysis of prospective studies. Diabetes Care. 2013;36(5):1422.
4- Pittas AG, Chung M, Trikalinos T, Mitri J, Brendel M, Patel K, Lichtenstein AH, Lau J, Balk EM. Systematic review: Vitamin D and cardiometabolic outcomes. Ann Intern Med. 2010;152(5):307.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

terça-feira, 26 de julho de 2016

Nem todo ovário policístico é Síndrome dos Ovários Policísticos

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma entidade complexa caracterizada por:
1 - hiperandrogenismo: excesso absoluto ou da atividade de hormônios como a testosterona, que causam entre outras manifestações excesso de pelos e acne.
2 - disfunção ovulatória: uma vez que a ovulação não acontece com regularidade, podem ocorrer falhas ou ausências dos ciclos menstruais.
3 - ovários morfologicamente policísticos: ao exame ecográfico/ultrassonográfico (figura abaixo), os ovários podem estar aumentados de tamanho e com vários pequenos cistos.

Ecografia mostrando ovário com diversos pequenos cistos

Apesar de dar nome a síndrome, o terceiro critério não é obrigatório para o diagnóstico.  Além disso, ovários morfologicamente policísticos no exame de imagem podem ser encontrados em mais de 50% das mulheres sem sintomas, e são achados comuns em mulheres com irregularidade menstrual e hiperandrogenismo. Abaixo, a proporção de ovários policísticos verificados através da ecografia em diferentes situações:
- 92% em mulheres com hirsutismo (excesso de pelos) sem causa definida;
- 87% em mulheres com oligomenorreia (poucos ciclos menstruais);
- 82% em mulheres pré-menopáusicas com diabetes mellitus tipo 2;
- 82% em mulheres com hiperplasia adrenal congênita;
- 26% em mulheres que não menstruam;
- 40% em mulheres com história de diabetes gestacional;
- 67% em mulheres com queda de cabelo causada por excesso de androgênios.
Como podemos ver, o achado de ovários policísticos na ecografia pode ter diversas causas. Logo, o exame deve ser solicitado apenas quando houver suspeita clínica, já que, em alguns casos, pode causar confusão diagnóstica.

Fonte: Clinical manifestations of polycystic ovary syndrome in adults - UpTODate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
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segunda-feira, 25 de julho de 2016

O que causa a síndrome dos ovários policísticos?

A síndrome dos ovários policísticos, ou simplesmente SOP, é uma condição que acomete mulheres em idade fértil, caracterizada por problemas na ovulação, excesso de hormônios androgênicos ou de sua atividade (hiperandrogenismo) e aparência policística dos ovários. Os ovários de tamanho aumentado e com vários pequenos cistos, apesar de darem nome à síndrome, não são o critério diagnóstico mais importante nem obrigatório. Para o diagnóstico, basta que estejam presentes a disfunção ovulatória, que se manifesta por irregularidade menstrual, e o hiperandrogenismo, que pode se manifestar por hirsutismo (excesso de pelos de padrão masculino). Outras doenças com quadro parecido também devem ser excluídas. Mas o que causa a SOP?



A SOP não tem uma única causa. É considerada uma desordem poligênica com influência de fatores ambientais, especialmente da obesidade. Ou seja, a SOP tem causas genéticas, que não podem ser modificadas, e ambientais que podem ser abordadas com o tratamento. Muitos genes já foram implicados com a SOP. E a atividade destes genes parece ser programada pelo ambiente e pelos hormônios. Mas como isto acontece?
A região do cérebro conhecida como hipotálamo é responsável por estimular a glândula hipófise a produzir os hormônios FSH e LH, responsáveis por controlar o ciclo menstrual. Conforme a "ordem" hipotalâmica, a hipófise pode produzir mais FSH ou LH dependendo da fase do ciclo menstrual. Nas mulheres com SOP, existe uma produção maior de LH. Além do excesso de LH, anormalidades genéticas tornam os receptores ovarianos para este hormônio mais sensíveis. Isto leva a uma maior produção de androgênios, especialmente a testosterona, pelo ovários. Além disso, a obesidade, frequentemente presente, eleva os níveis de insulina. A insulina em excesso estimula os ovários e as adrenais a produzirem mais androgênios. Por fim, tanto o excesso de insulina quanto de androgênios atuam sobre o fígado levando a redução na produção da SHBG, proteína responsável por transportar e, de certa forma, limitar a ação dos hormônios sexuais. Com menos SHBG, os androgênios circulam e agem livremente. O excesso de androgênios estimula mais secreção de LH, favorece mais ganho de gordura e mais aumento nos níveis de insulina. Assim tem-se um ciclo vicioso, onde o hiperandrogenismo acaba sendo causa e consequência da síndrome, levando as suas diferentes manifestações clínicas.
Apesar do mecanismo complexo da SOP, a avaliação e o tratamento costumam ser simples, quando feitos por profissional habilitado. Abordaremos estes temas em outra oportunidade.

Fonte:  McCartney CR, Marshall JC. CLINICAL PRACTICE. Polycystic Ovary Syndrome. N Engl J Med. 2016 Jul 7;375(1):54-64.

Dr. Mateus Dornelles Severo
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sábado, 16 de julho de 2016

Avaliação endocrinológica dos problemas de ereção

Define-se como disfunção erétil (anteriormente conhecida como "impotência sexual"), a incapacidade de ter ou manter a ereção por tempo suficiente para o ato sexual. Durante o sexo, para que a ereção ocorra, uma série de pré-requisitos deve ser satisfeita. O homem deve ter desejo sexual (libido) e o sistema vascular deve estar funcionando apropriadamente, para levar sangue das artérias ilíacas até os corpos cavernosos do pênis, assim com os nervos. Problemas psicológicos, hormonais e metabólicos, vasculares e neuronais, além do uso de certos medicamentos ou substâncias podem levar a disfunção erétil.


A avaliação do paciente com disfunção erétil começa através da história. Por exemplo, a perda de libido pode estar associada a distúrbios hormonais como aumento de prolactina ou redução da testosterona. Já a ausência de ereções durante a noite levanta a suspeita de problemas vasculares e neurológicos. Por outro lado, problemas com ereção de início abrupto podem ter origem psicológica.
Outros dados importantes da história são:
– comorbidades do paciente: já que doenças cardíacas e diabetes mellitus podem estar associados a problemas de ereção;
– medicações em uso: alguns medicamentos como antidepressivos ou o uso indevido de esteroides anabolizantes podem ser causa de disfunção erétil;
– avaliação psicológica: uma vez que depressão e ansiedade podem levar a dificuldades de ereção.
Um exame físico detalhado também dá dicas das possíveis causas. Por exemplo, o aumento do volume mamário (ginecomastia) ou redução do volume dos testículos sugere deficiência de testosterona.
Alguns exames laboratoriais devem ser pedidos, entre eles a avaliação hormonal. Dos pacientes com disfunção erétil até 30% tem algum tipo de distúrbio hormonal como testosterona baixa, prolactina alta ou problemas de tireoide. Além disso, até metade dos pacientes diabéticos tem problemas de ereção.
Muitas vezes a disfunção erétil é apenas a ponta do iceberg. Sabe-se que o paciente com problemas de ereção tem um risco de desenvolver problemas cardíacos cerca de 25% maior comparado aos homens sem esse problema. Isso acontece porque a disfunção erétil e as doenças cardiovasculares têm causas em comum como o diabetes, a pressão alta e a elevação dos níveis de colesterol.
Se você é homem e tem problemas de ereção, deixe o preconceito de lado e procure o endocrinologista ou urologista para uma avaliação. Em várias ocasiões, a disfunção erétil é apenas um indicador de um problema mais grave que precisa de atenção especializada.

Fonte: Evaluation of male sexual dysfunction - UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
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sexta-feira, 8 de julho de 2016

Manifestações do hipotireoidismo na pele e seus anexos

No hipotireoidismo há uma diminuição da produção de hormônios T4 e T3 por parte da tireoide. Muitas da manifestações clínicas da doença se devem principalmente a dois mecanismos: redução generalizada dos processos metabólicos e acumulo de glicosaminoglicanas nos diferentes tecidos. Veremos a seguir os principais sinais de hipotireoidismo na pele.



- A redução dos níveis de hormônio tireoidiano causa constrição dos vasos sanguíneo periféricos. Esse fenômeno faz a pele do paciente com hipotireoidismo ficar fria e pálida. Além disso, a epiderme, camada mais superficial da nossa pele, se torna mais fina e acumula mais queratina que o normal, levando a ressecamento e descamação.
- No hipotireoidismo a temperatura corporal baixa e as glândulas produtoras de suor trabalham menos. Com menos suor, temos mais um motivo para a pele ficar seca...
- Além da palidez descrita anteriormente, a pele do paciente com hipotireoidismo pode ficar amarelada. Com a redução da produção de hormônio, a metabolização de compostos carotenoides fica lentificada, o que pode tornar a pele amarelada ou alaranjada. Aqui, é importante o diagnóstico diferencial com icterícia, outra condição que causa amarelamento da pelo. Menos frequentemente, quando o hipotireoidismo vem associado a problemas no funcionamento das glândulas adrenais, pode haver escurecimento da pele.
- O acúmulo de glicosaminoglicanas torna os cabelos grossos. Além dos fios estarem mais espessos, caem com maior facilidade. As sobrancelhas também podem cair e as unhas mostram-se frágeis e quebradiças.
- Uma manifestação características do hipotireoidismo é o edema (inchaço). O edema do hipotireoidismo resulta da retenção de água causado pelo acúmulo de glicosaminoglicanas sob a pele. É um edema firme, isto é, não deixa marcas quando comprimido. Costuma ser generalizado, mas é mais bem visualizado nas pernas e rosto.
- Por fim, como o hipotireoidismo pode ter origem autoimune, doenças como vitiligo e alopecia areata podem estar associadas ao quadro.

Fonte: UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
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