domingo, 26 de junho de 2016

Resveratrol e metabolismo glicêmico: seria uma opção no tratamento do diabetes mellitus tipo 2?

O resveratrol é um composto polifenólico encontrado na casca de uvas escuras. Devido ao seu potencial antioxidante, diferentes estudos associam o resveratrol à redução de doenças cardíacas e vasculares. Além disso, alguns estudos em animais sugerem que o resveratrol possa ter efeitos no metabolismo glicêmico tanto reduzindo a resistência a insulina através de redução na quantidade de tecido adiposo, quanto aumentando a captação de glicose independente da presença de insulina. Contudo, em ciência, toda hipótese deve ser devidamente testada. Será que uma suplementação com resveratrol poderia trazer efeitos positivos no tratamento do diabetes mellitus tipo 2? É o que veremos a seguir...

O resveratrol está presente na casca de uvas escuras

No ano de 2014, um grupo de pesquisadores chineses revisou toda a literatura médica sobre o resveratrol disponível até o momento e compilou os dados disponíveis em uma revisão sistemática com metanálise publicada na revista médica The American Journal of Clinical Nutrtion. Chamamos de revisões sistemáticas com metanálises, estudos que reúnem dados de vários estudos menores com características semelhantes. O objetivo é aumentar a certeza científica sobre determinado assunto. Em uma revisão sistemática, os estudos são avaliados quanto a sua qualidade metodológica, isto é, existe uma leitura crítica da literatura científica.
Os autores encontraram 131 estudos, dos quais apenas 11 artigos puderam ser incluídos na metanálise por apresentarem qualidade metodológica aceitável (ensaio clínico randomizado em seres humanos, com pelo menos 2 semanas de duração, comparando um grupo de pacientes que fez uso do resveratrol a um grupo controle que não fez uso). Dos 11 estudos selecionados, apenas 3 foram em pacientes com diabetes tipo 2. No total, foram avaliados 142 pacientes diabéticos que usaram doses de resveratrol entre 10 e 1500 mg por dia ou placebo (cápsula sem efeito) seguidos por até 3 meses. O uso do resveratrol nesse grupo de pacientes foi capaz de reduzir de maneira significativa a glicemia de jejum em 35 mg/dL e a hemoglobina glicada em 0,73% quando comparado ao placebo. Em outras palavras, o resveratrol mostrou um efeito benéfico sobre a glicemia em pacientes diabéticos tipo 2. Isso quer dizer que o resveratrol pode ser usado no tratamento do diabetes? A resposta é: talvez um dia. Vamos entender por que...
O diabetes mellitus tipo 2 é uma doença crônica, isto é, pacientes convivem com o problema por 10, 20, 30 ou mais anos. Por isso, na avaliação da eficácia e da segurança de qualquer tratamento, é importante que um número adequado de pacientes seja seguido por um tempo mínimo. Os estudos incluídos nesta revisão continham número pequeno de pacientes que foram seguidos por pouco tempo, logo, os resultados não podem nem devem ser generalizados para toda e qualquer pessoa com diabetes. Além disso, apenas 1 dos 3 estudos avaliados foi considerado de alta qualidade pelos pesquisadores chineses.
Ou seja, o uso do resveratrol como possível tratamento do diabetes mellitus tipo 2 é uma hipótese plausível e que merece ser melhor investigada. Dúvidas quanto a melhor dose, interações com outros medicamentos, perfil de paciente que mais se beneficia, contraindicações, efeitos adversos, segurança cardiovascular, redução de complicações associadas ao diabetes e custo-benefício ainda precisam ser esclarecidas antes que o resveratrol possa estar presente no receituário médico.

Fonte: Liu K, Zhou R, Wang B, Mi MT. Effect of resveratrol on glucose control and insulin sensitivity: a meta-analysis of 11 randomized controlled trials. Am J Clin Nutr. 2014 Jun;99(6):1510-9.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Rótulos de produtos processados: goma de acácia

Não raro, ao lermos as listas de ingredientes, nos deparamos com algo que não conhecemos. Goma de acácia? Também conhecida por goma arábica, trata-se de um polissacarídeo, isto é, um tipo de fibra solúvel. É utilizado pela indústria com estabilizante ou espessante de bebidas reconstituídas, como esta da foto. Não é um aditivo perigoso. Pelo contrário! Estudos sugerem que a goma de acácia possa ter efeitos benéficos sobre os níveis de glicose e colesterol. Efeito compartilhado por outras fibras solúveis, por sinal. Mas atenção: sucos processados não são a melhor opção para quem procura fibras! Priorize cereais integrais, frutas, leguminosas e vegetais in natura.


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

domingo, 19 de junho de 2016

Pressão alta no diabetes mellitus tipo 2: riscos à saúde e escolha do melhor tratamento

O diabetes mellitus tipo 2, que acomete mais frequentemente pessoas acima do peso, costuma vir acompanhado de hipertensão arterial sistêmica, ou pressão alta. Já no diagnóstico do diabetes, 4 em cada 10 pacientes apresentam medidas elevadas de pressão arterial.
Além da doença renal, ou nefropatia diabética, a hipertensão arterial no diabetes mellitus é causada por reabsorção de água e sódio juntamente à glicose filtrada nos rins e por aumento da rigidez dos vasos sanguíneos, as artérias, tanto por efeito do excesso de glicose por mecanismo conhecido como glicação, quanto por aterosclerose, isto é, entupimento dos vasos.

Aparelho para medição da pressão arterial automático por método oscilométrico

No paciente diabético, o adequado tratamento da hipertensão arterial é tão importante quanto o tratamento dos níveis elevados de glicose. A pressão alta aumenta o risco de doenças cardíacas e vasculares, tais como infarto do miocárdio, angina e isquemias, além de acelerar o processo de lesão nos rins e na retina, causados pelo próprio diabetes. Para que se consiga prevenir tais complicações, todo paciente diabético deve ter a pressão sistólica medida e mantida em torno de 120 ou 130 mmHg e a pressão diastólica, abaixo de 90 mmHg, dependendo se a pressão foi medida por método automático oscilométrico ou auscultatório, já que no método automatizado a pressão arterial costuma ser de 5 a 10 mmHg menor que no método auscultatório.
Para que se consiga atingir esses alvos terapêuticos, o tratamento consiste em perder peso, preferir uma alimentação saudável (rica em frutas, vegetais e laticínios sem gordura - dieta DASH), não fumar, evitar álcool em excesso, diminuir a ingesta de sal e fazer exercícios físicos regularmente. Quando apenas essas medidas não forem suficientes, lança-se mão de medicamentos. A escolha do medicamento leva em conta: o benefício comprovado em pesquisas, as peculiaridades de cada paciente, o perfil de segurança de cada substância e os custos.
Se não houver evidência de lesão microvascular ou outra indicação específica, os medicamentos com maior eficácia na redução de doenças cardíacas e vasculares  são os diuréticos tiazídicos (clortalidona e hidroclorotiazida) seguidos pelos bloqueadores dos canais de cálcio (especialmente anlodipina), segundo os dados do estudo ALLHAT. Nos pacientes que apresentam excreção urinária elevada de albumina, sugerindo dano aos rins pelo diabetes, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (captopril, enalapril, ramipril) são a primeira escolha. Se o paciente não tolerar esta classe medicamento, pode ser feita a substituição pelos antagonistas do receptor a angiotensina 2 (losartana, valsartana, irbesartana, candesartana). Vários pacientes podem necessitar fazer uso de mais de um tipo de anti-hipertensivo ou mesmo de medicamentos de classes diferentes das mencionadas neste texto.  Atualmente, o Governo Federal, através do sistema Farmácia Popular, disponibiliza vários tipos de medicamentos anti-hipertensivos que podem ser usados também por pacientes diabéticos. 
Se você é diabético, procure seu médico endocrinologista e meça sua pressão. Se ela não estiver no alvo, mude seus hábitos e exija medicamentos seguros e acessíveis para seu tratamento.

Fonte: Treatment of hypertension in patients with diabetes mellitus - UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
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quinta-feira, 16 de junho de 2016

Café e chimarrão não aumentam risco de câncer

Um novo pronunciamento da International Agency for Research on Cancer (IACR), divisão da Organização Mundial da Saúde que estuda o câncer, foi recentemente publicado (junho de 2016) na revista Lancet Oncology avaliando o risco de câncer em bebidas quentes. Segundo este documento, a temperatura muito alta das bebidas é "provavelmente causadora de câncer em humanos", especialmente de esôfago. Bebidas como o café e o chimarrão foram inocentadas desde que consumidas abaixo de 65 graus Celsius. Na prática, como ninguém mede a temperatura de chás, café ou chimarrão, a dica é consumir essas bebidas mornas ou pouco quentes, isto é, sem que sejam capazes de queimar a boca ou o esôfago.
 
 
 
 
Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
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sábado, 11 de junho de 2016

Complicações associadas à obesidade: o problema vai além do excesso de peso

O sobrepeso e a obesidade sabidamente são causas de uma série de condições que agravam muito a saúde das pessoas que estão acima do peso. Os quilos a mais trazem junto doenças como o diabetes mellitus tipo 2 e a doença coronariana (entupimento dos vasos do coração), que aumentam o risco de morte. Dados de um estudo publicado no ano de 2009 na revista médica Lancet (1) mostram que quanto maior o peso, maior a chance de morte por qualquer causa. Dentro do período de 12 meses, 20 de cada mil homens com obesidade grau 1 (IMC entre 30 e 34,9 kg/m²) morrem. Quando a obesidade é grau 3 (IMC de 40 kg/m² ou mais), a mortalidade sobre para 35 em mil!



Entre as complicações da obesidade estão:
– pressão alta;
– aumento do colesterol e triglicerídeos;
– artrite gotosa;
– artrose de quadril, joelho e tornozelo;
– doenças cardíacas e vasculares;
– acidente vascular encefálico (“isquemia” ou AVC);
– trombose;
fígado gorduroso, hepatite e cirrose;
– tumores malignos (câncer) do aparelho digestivo;
– doenças respiratórias, como a apneia do sono;
– doenças psiquiátricas/psicológicas, como depressão e ansiedade.
Todos os problemas listados agem em conjunto, diminuindo a qualidade de vida do paciente obeso e aumentando o risco de morte. Atualmente, o excesso de peso é muito mais do que um problema estético. É uma condição que diminui a expectativa de vida, além de piorá-la.
Logo, o manejo do excesso de peso vai além da redução dos quilos. A avaliação e abordagem apropriadas das condições associadas são parte fundamental do tratamento. Por exemplo: o paciente obeso com dor nos joelhos e problemas para dormir, dificilmente vai estar disposto a se exercitar. Já o paciente obeso e diabético, tem risco ainda maior de desenvolver problemas cardíacos e no fígado.
Se você desconfia que esteja acima do peso, mesmo que não suspeite de nenhuma complicação, procure um endocrinologista para uma avaliação. O tratamento apropriado da obesidade e de suas complicações garante uma vida mais longa e de melhor qualidade.

Referência:
1- Whitlock G, Lewington S, Sherliker P, et al. Body-mass index and cause-specific mortality in 900,000 adults: collaborative analyses of 57 prospective studies. Lancet 2009; 373:1083.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
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quarta-feira, 8 de junho de 2016

Açaí para além do esporte

O açaí ganhou fama entre os praticantes de atividades físicas por ser considerado um excelente alimento energético, já que é rico em calorias. Contudo, a frutinha roxa carrega nutrientes que não interessam apenas aos atletas. A antocianina, um flavonoide com potente efeito antioxidante, está presente em grande quantidade no açaí. Além disso, o fruto é rico em fibras e oferece gorduras insaturadas e fitosterol. Estas substâncias podem auxiliar na redução do risco cardiovascular, pois têm efeito anti-inflamatório e redutor do colesterol. Ou seja, o açaí pode ser um ótimo aliado do coração. Mas atenção! Como dito, trata-se de um alimento calórico, logo, não deve ser consumido de forma abusiva. Além disso, dê preferência à polpa da fruta pura. Existem opções à venda que além de açaí, são ricas em açúcar e outros aditivos - uma mau negócio! E consulte com seu médico ou nutricionista para maiores esclarecimentos.


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
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quinta-feira, 2 de junho de 2016

Quando um nódulo de tireoide precisa ser puncionado?

Na avaliação dos nódulos de tireoide, um dos exames mais informativos é a punção aspirativa com agulha fina ou PAAF. Através deste exame, retira-se uma pequena quantidade de células para avaliação no microscópio. A PAAF ajuda a avaliar com maior segurança o risco de câncer e, quando necessário, a encaminhar adequadamente o paciente para a cirurgia. A realização ou não da punção depende do quadro clínico do paciente e, principalmente, das características do nódulo quando avaliado através da ecografia. Vamos entender o que leva o endocrinologista a solicitar uma PAAF de tireoide.
PAAF de tireoide guiada por ecografia

Os primeiros passos na avaliação de um nódulo de tireoide descoberto clinicamente ou incidentalmente (ao acaso) são a dosagem do hormônio TSH e a realização da ecografia ou ultrassonografia de tireoide. Quando o TSH vem abaixo do normal, existe a possibilidade de hipertireoidismo causado por um adenoma tóxico, isto é, o nódulo pode estar produzindo hormônio de forma autônoma. Nestes casos, a avaliação continua com a realização da cintilografia de tireoide. A cintilografia é capaz de mostrar se o nódulo é produtor de hormônios (nódulo quente que capta bastante iodo) ou não (nódulo frio que capta pouco ou nenhum iodo). Nódulos quentes são quase sempre adenomas tóxicos, isto é, são nódulos benignos e não precisam ser puncionados. Já os nódulos frios podem necessitar punção dependendo das suas características na ecografia.
Nódulos de tireoide em pacientes com TSH normal ou elevado e nódulos em pacientes com TSH baixo mas que captam pouco iodo na cintilografia podem necessitar de punção se suas características forem suspeitas de malignidade na ecografia.
Nódulos sólidos ou parcialmente císticos hipoecoicos com margens irregulares (infiltrativas ou microlobuladas), com microcalcificações, mais altos do que largos, com calcificações periféricas e componente de tecido extrusivo ou com extensão para fora da tireoide têm risco de malignidade (tratar-se de câncer) maior que 70-90% e devem ser sempre puncionados se tiverem mais de 1 centímetro.
Nódulos sólidos hipoecoicos com margens regulares e SEM microcalcificações, nem extensão para fora da tireoide e que não sejam mais altos do que largos têm risco intermediário de malignidade (10-20%) e devem ser puncionados se tiverem mais de 1 centímetro.
Nódulos hiperecoicos ou isoecoicos ou nódulos císticos sem outros achados suspeitos têm risco baixo de malignidade (5-10%) e devem ser puncionados se tiverem mais de 1,5 centímetros.
Nódulos espongiformes sem outras características suspeitas têm risco muito baixo de malignidade (menor que 3%) e só precisam ser puncionados quando maiores que 2 centímetros.
Cistos simples de tireoide, isto é, que não tenham componente sólido são quase sempre benignos e não precisam ser puncionados a não ser que haja indicação terapêutica (drenagem do conteúdo líquido do cisto).
Além disso, no caso de presença de linfonodos (ínguas) altamente suspeitos em região cervical, nódulos com mais de meio centímetro também poderão ser puncionados.
Após a punção e dependendo dos achados citológicos ao microscópio, o médico endocrinologista define a conduta mais apropriada.

Fonte: Haugen BR, Alexander EK, Bible KC, et al. 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer. Thyroid 2016; 26:1.
Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
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