sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O papel da lorcaserina no tratamento medicamentoso do excesso de peso

No final de 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) deu aval positivo para um novo medicamento inibidor do apetite, a lorcaserina. Desde 2012, a lorcaserina já está disponível para tratamento do excesso de peso nos Estados Unidos. O medicamento está indicado como adjuvante a medidas de mudança no estilo de vida (reeducação alimentar e atividades físicas) em pacientes com índice de massa corporal (IMC) maior ou igual a 30 kg/m2, isto é, com diagnóstico de obesidade. Pacientes com sobrepeso acompanhado de comorbidades como diabetes mellitus tipo 2, elevação do colesterol e apneia do sono também são candidatos ao tratamento quando o IMC for maior ou igual a 27 kg/m2.



Farmacologicamente, a lorcaserina é considerada um agonista seletivo do receptor 2C da serotonina. Tanto em animais quanto em seres humanos, a interação da serotonina com o receptor 2C é capaz de diminuir o apetite. Agonista é uma molécula que "finge" ser outra, isto é, a lorcaserina "finge" ser serotonina para poder interagir com o receptor 2C e diminuir o apetite. outros agonistas da serotonina, como a fenfluramina e a dexfenfluramina, já foram usados como inibidores do apetite no passado. No entanto, acabaram sendo retirados do mercado pois causavam doenças nas válvulas do coração. Esse efeito adverso ocorria porque a fenfluramina/dexfenfluramina NÃO eram agonistas específicos do receptor 2C. Isto é, interagiam também com os receptores 2A e 2B da serotonina. E a interação com o receptor 2B parece ser a responsável pelos problemas cardíacos.
A lorcaserina tem um perfil de tolerabilidade bom. Entre os efeitos adversos mais frequentes estão dor de cabeça, tontura, náusea e dor nas costas. Nos estudos disponíveis até o momento, que duraram até 2 anos, seu uso não causou problemas ao coração. Por sinal, a lorcaserina ajudou a baixar a pressão arterial, os níveis de colesterol LDL (ruim) e de glicose.
Quanto ao efeito sobre o peso, não é um medicamento dos mais potentes. A redução costuma ser discreta: média de 3 a 4 quilos quando comparada ao placebo (comprimido sem efeito). Além disso, muitos dos pacientes que começaram os estudos clínicos abandonaram o tratamento antes do final. Ou seja, na vida real, o resultado pode ser ainda menor. No maior estudo, 5 em cada 10 pacientes que usaram a lorcaserina perderam pelo menos 5% do peso. Já entre os pacientes que tomaram placebo, 2 em cada 10 conseguiram perder pelo menos 5% do peso.
A lorcaserina é contraindicada em pacientes com comprometimento grave da função renal, em gestantes e em pacientes que façam uso de outros medicamentos que ajam sobre a serotonina.
Apesar de estar aprovado pela ANVISA, a lorcaserina ainda não está disponível nas farmácias. Possivelmente será lançado no decorrer do ano de 2017. Aguardemos!

Referência:
1- Smith SR, Weissman NJ, Anderson CM, Sanchez M, Chuang E, Stubbe S, Bays H, Shanahan WR, Behavioral Modification and Lorcaserin for Overweight and Obesity Management (BLOOM) Study Group. Multicenter, placebo-controlled trial of lorcaserin for weight management. N Engl J Med. 2010;363(3):245. 

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O tratamento do hipotireoidismo com hormônio da tireoide pode aumentar o peso?

Já não é a primeira vez que digo: "A internet é uma ótima fonte de informações, desde que se saiba filtrar o que é confiável". Entre tanta besteira que circula na rede, uma me chamou a atenção pelo tamanho do absurdo que advoga: hormônio de tireoide engorda. Antes de qualquer coisa, não, hormônio de tireoide não engorda. E também não deve ser usado como auxiliar no emagrecimento. Vamos entender o porquê...



Pacientes com hipotireoidismo, isto é, diminuição na produção do hormônio tireoidiano, costumam apresentar uma lentificação no metabolismo dos glicosaminoglicanos, substâncias encontradas em diferentes tecidos, especialmente sob a pele. Os glicosaminoglicanos ajudam a manter o turgor cutâneo retendo água, logo, com sua metabolização mais lenta, o paciente com hipotireoidismo acaba retendo mais líquido do que o normal, seu peso aumenta. Em alguns casos, a retenção de água chega a diluir e reduzir os níveis de sódio no sangue. O ganho de peso decorrente desse "inchaço" costuma ser pequeno: em torno de 3 quilos, assim como também é pequena a redução de peso quando o tratamento é iniciado. Logo, podemos concluir, que em grande parte dos casos, a culpa por grandes aumentos de peso NÃO é da tireoide, mas de hábitos inapropriados: alimentação errada e sedentarismo.
Apesar deste conhecimento científico estar consolidado há décadas, eis que surgem acusadores do "tratamento convencional". Segundo esta minoria, o culpado pelo ganho de peso no hipotireoidismo seria seu próprio tratamento! Ou melhor, no sódio presente no hormônio comercialmente disponível não só no Brasil como na maioria dos países do mundo: a levotiroxina sódica. E a solução para "desinchar" seria simples, usar fórmulas manipuladas sem sódio. Explicação equivocada, sensacionalista e perigosa à saúde!
Como explicado anteriormente, em grande parte dos casos, o hipotireoidismo nem é o real culpado pelo ganho de peso, mas sim um estilo de vida pouco saudável. A quantidade de sódio na levotiroxina sódica é insignificante e incapaz de causar qualquer tipo de retenção hídrica. Existem outras formas de levotiroxina disponíveis em outros países. As cápsulas de gelatina mostraram uma absorção superior aos comprimidos em casos específicos de pacientes com distúrbios da secreção gástrica. Já a forma líquida está disponível para a venda apenas na Itália com indicação semelhante as cápsulas gelatinosas.
Não é recomendada a manipulação da levotiroxina por ser considerada um medicamento com margem terapêutica estreita. Isto quer dizer que pequenas mudanças na dose, podem causar alterações grandes nos exames e no bem estar do paciente. A indústria farmacêutica procura tomar medidas para garantir a qualidade de suas levotiroxinas como uniformizar a procedência da matéria prima, produzir em local único e usar embalagens de duplo alumínio. Medicamentos com margem terapêutica estreita, especialmente em doses micronizadas (um micrograma é a milésima parte de um miligrama), podem não ser manipulados corretamente em farmácias. Além disso, o uso de lotes de diferentes fornecedores, qualquer erro de calibração no processo de manipulação ou mesmo o armazenamento em embalagens inapropriadas podem diminuir a qualidade e a eficácia da medicação. E isto torna muito difícil o ajuste da dose para cada caso.
Por fim, ao pesquisar sobre temas de saúde na internet de preferência a sites confiáveis, escritos por sociedades médicas e profissionais sérios. Sempre desconfie dos "donos da verdade" que se dizem inovadores, dão a entender que qualquer médico que não compactue com suas condutas absurdas seja um fracassado e invejoso. Não infrequentemente estes "profissionais" apresentam uma série de processos éticos e judiciais no "currículo" e se vitimizam por isso. Vender informações distorcidas em cursos de qualidade questionável é seu ganha-pão. E informação de qualidade não se vende. Se compartilha! Fica a dica.

Referências:
1 - Douglas S Ross. Treatment of hypothyroidism. UpToDate On Line.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576