sábado, 31 de agosto de 2019

Alisquireno: novos remédios nem sempre são a melhor alternativa

É de conhecimento público o assédio que médicos sofrem da indústria farmacêutica. Novos remédios são lançados todos os dias. Muitas vezes, mesmo sem serem suficientemente avaliados, por pura pressão, acabam sendo incorporados na prática clínica.


Entre os medicamentos anti-hipertensivos, uma história que merece ser contada é a do alisquireno (Rasilez). Estudos preliminares de curta duração sugeriram que o alisquireno pudesse ser mais eficaz em baixar a pressão arterial que a hidroclorotiazida (diurético fornecido gratuitamente na rede Farmácia Popular) e que a associação de alisquireno com valsartana ou losartana pudesse proteger o rim de pacientes com diabetes. Será?
Em dezembro de 2011, o próprio fabricante do Rasilez, o laboratório Novartis, emitiu um alerta para que o alisquireno não fosse mais administrado em combinação com remédios das seguintes classes: inibidores da ECA (captopril, enalapril, ramipril...) e ARA2 (losartana, valsartana...). Isso aconteceu após a interrupção do estudo ALTITUDE. Neste estudo, pacientes com diabetes tipo 2 e problemas renais usaram alisquireno associado a inibidores da ECA ou ARA2. O resultado? Maior número de AVEs (derrames e isquemias), hipotensão e aumento dos níveis de potássio, sem qualquer benefício que justificasse exposição ao risco destes desfechos adversos. Ao contrário do que se pensava, a associação fez mais mal do que bem. Após a publicação dos resultados do ALTITUDE, o alisquireno caiu em descrédito...
A história do alisquireno é apenas uma entre várias de outras "balas mágicas". É por isso que o bom médico não deve ficar eufórico com lançamentos de novos tratamentos antes que sejam devidamente testados. Nem tudo que é novo é melhor. A vovó já dizia...

Referência:
1- Parving HH, Brenner BM, McMurray JJ, de Zeeuw D, Haffner SM, Solomon SD, Chaturvedi N, Persson F, Desai AS, Nicolaides M, Richard A, Xiang Z, Brunel P, Pfeffer MA; ALTITUDE Investigators. Cardiorenal end points in a trial of aliskiren for type 2 diabetes. N Engl J Med. 2012 Dec 6;367(23):2204-13.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Existe tratamento medicamentoso para nódulos de tireoide?

Após a avaliação clínica inicial, felizmente, a maioria dos nódulos de tireoide acaba classificada como benigna. Neste momento, muitos pacientes perguntam: "Existe algum remédio para diminuir o tamanho ou evitar o crescimento dos nódulos?" A resposta para essa pergunta pode parecer frustrante num primeiro momento, mas com as devidas explicações, os motivos ficam claros: "Existe, o hormônio tireoidiano ou levotiroxina, mas não vale a pena usar."


O uso da levotiroxina é capaz de reduzir o tamanho e de evitar o crescimento de nódulos tireoidianos, especialmente em indivíduos que vivem em áreas deficientes de iodo (não é o caso do Brasil). Já em áreas suficientes em iodo, o tratamento hormonal tem efeito pífio. Apenas cerca de 1 em cada 5 nódulos apresenta redução significativa do tamanho - mais de 50 por cento do volume. Nódulos com conteúdo cístico respondem ainda menos ao hormônio tireoidiano.
Uma revisão da literatura médica sobre o tema compilou dados de 9 estudos, totalizando 609 pacientes. Vinte e dois por cento dos indivíduos que fizeram uso da levotiroxina apresentaram redução maior que 50 por cento no volume dos seus nódulos. No grupo que não recebeu tratamento ativo, a redução de tamanho dos nódulos ocorreu em 10 por cento dos casos. Ou seja, a resposta ao tratamento é bem modesta.
Agora, você pode estar pensando: "OK! A chance do nódulo responder ao tratamento é pequena, mas existe. Não vale a pena tentar usar a levotiroxina, já que temos 22% de chance de redução de tamanho?" Como já antecipei no primeiro parágrafo... "Não vale a pena, pois os riscos do tratamento superam os benefícios." Explico...
Para que haja chance de redução no volume do nódulo, a levotiroxina precisa ser usada em dose suficientemente alta para baixar os níveis de TSH. Ou seja, o tratamento, de certa forma, induz um quadro de hipertireoidismo. Agora pergunto: "Faz sentido tratar uma condição benigna às custas de tratamento com risco de complicações?" Arritmias como a fibrilação atrial, diminuição da densidade mineral óssea e mesmo sintomas como tremor, palpitações e fadiga, podem ser causados pelo uso do hormônio tireoidiano em doses suficientemente elevadas. Além disso, a maioria dos estudos que utilizaram essa opção terapêutica teve curta duração (6 a 18 meses), o que limita bastante a avaliação da segurança no longo prazo, algo muito relevante, já que o tratamento parece ter efeito fugaz: após a suspensão, os nódulos voltam a crescer...
Em resumo, infelizmente, não dispomos de um remédio com eficácia e segurança apropriadas para o tratamento de nódulos de tireoide benignos. Quando existem sintomas ou comprometimento estético, o tratamento cirúrgico ou por ablação com o uso de álcool ou radiofrequência é recomendado. Mas isso já é assunto para um outro texto...

Referência:
1 - Sdano MT, Falciglia M, Welge JA, Steward DL. Efficacy of thyroid hormone suppression for benign thyroid nodules: meta-analysis of randomized trials. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;133(3):391.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991