domingo, 26 de março de 2017

Cuidados com os pés no paciente com diabetes mellitus

Problemas nos pés são frequentes em pacientes diabéticos. Felizmente, a maioria destas complicações pode ser prevenida através de monitorização cuidadosa. O paciente diabético deve ter como rotina diária o autocuidado dos pés.
O diabetes mellitus pode levar a uma série de complicações nos pés, entre elas: micoses, calos, joanetes e outras deformidades, além de feridas que podem ser superficiais ou tão profundas a ponto de alcançar os ossos.

As lesões encontradas nos pés dos pacientes diabéticos têm como causa a má circulação sanguínea e a lesão dos nervos, ambas causadas pelos níveis elevados de glicose. O fluxo sanguíneo diminuído aliado à diminuição da sensibilidade predispõe a feridas de difícil cicatrização. Estima-se que 5 de cada 100 pacientes diabéticos precisam ser amputados devido a problemas nos pés.
O paciente diabético deve ter seus pés examinados por um endocrinologista pelo menos uma vez ao ano. Durante o exame, o médico avalia a circulação, a pele, os nervos e procura por deformidades. Para isto palpa os pulsos e testa a sensibilidade dos pés através de instrumentos específicos como o monofilamento e o diapasão. Qualquer alteração encontrada deve ser tratada e/ou monitorada para que se evitem lesões mais graves.
Além do exame médico, são medidas importantes no cuidado dos pés do paciente diabético:
– evitar o cigarro, já que o fumo prejudica a circulação;
– ter cuidado ao cortar as unhas, evitando retirar as cutículas ou deixa-las encravadas;
– lavar, secar e hidratar os pés diariamente. Durante este processo procurar por abrasões, áreas avermelhadas, bolhas ou qualquer tipo de ferida, principalmente na planta e entre os dedos;
– evitar andar descalço ou usar calçados apertados e desconfortáveis.
Respeitadas estas medidas, os problemas nos pés dificilmente surgirão. Contudo, caso se perceba qualquer lesão, o médico deverá ser prontamente consultado para que o tratamento seja rapidamente instituído e se evite assim a temida amputação.

Fonte: UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 19 de março de 2017

As mãos do paciente com diabetes mellitus

É de amplo conhecimento que o diabetes mellitus pode causar problemas nos pés. Até pela gravidade do problema, com risco de amputação dos membros inferiores, os pés do paciente com diabetes sempre devem ser lembrados. No entanto, por ser uma doença sistêmica, o diabetes pode acometer outras estruturas do aparelho locomotor, como as mãos.
Estima-se que metade dos pacientes com diabetes tenham algum tipo de problema nas mãos. Além disso, muitas destas pessoas estão em idade avançada, e o comprometimento das mãos pela doença pode trazer grandes limitações às atividades diárias. Na presença de dor ou diminuição da mobilidade, tarefas simples como testar a glicemia capilar, preparar a dose da insulina, escovar os dentes ou abotoar uma camisa se tornam extremamente complicadas.



A seguir, uma lista das principais doenças das mãos que o paciente diabético pode apresentar:

1 - Síndrome do túnel do carpo: a síndrome do túnel do carpo é causada pela compressão do nervo mediano entre o ligamento carpal e as outras estruturas que compõem o túnel do carpo. O encarceramento do nervo dentro do túnel do carpo acontece devido a alterações do tecido conjuntivo que são maiores quanto maior for o tempo que o paciente convive com diabetes. Talvez seja a complicação mais comum nas mãos do paciente diabético, acometendo um em cada cinco indivíduos. Dor e perda de força são sintomas que levantam a suspeita.

2 - Limitação da mobilidade articular: alterações no colágeno que compõe os ligamentos induzidas pelo diabetes são responsáveis por rigidez não dolorosa das articulações das mãos. Diminuição da força de preensão, inchaço e dificuldades com movimentos finos são sintomas frequentes. Dependendo da população de pacientes diabéticos avaliada, a prevalência desta complicação vai de 8 a 58 porcento.

3 - Contratura de Dupuytren: caracteriza-se por contratura da fáscia palmar, causando nodulações na palma da mãos e deformidade em flexão dos dedos. Acomete de 16 a 42 porcento dos pacientes com diabetes, especialmente os que convivem há mais tempo com a doença.

Contratura de Dupuytren.
4 - Tenossinovite flexora: caracteriza-se por nodulações e espessamentos do tendões e bainhas que fazem a flexão dos dedos, podendo literalmente "bloquear" um ou outro dedo na posição de gatilho. Até 20 porcento dos pacientes diabéticos apresentam este tipo de complicação, que costuma acometer o polegar, dedo médio ou dedo anular.

5 - Esclerodactilia diabética: por vezes confundida com esclerodermia, a esclerodactilia diabética causa espessamento da pele dos dedos, que ficam com aparência de salsichas. Esta complicação não causa dor, mas prejudica a mobilidade dos dedos.

Esclerodactilia diabética.

6 - Distrofia simpática reflexa: é uma complicação pouco frequente, caracterizada por dor grave ou sensação de queimação da mão, associada a inchaço, alterações no turgor da pele e sinais e sintomas de comprometimento vascular. Quando a mão é acometida, pode  haver dor e limitação no ombro do mesmo lado.

Como podemos perceber, as mãos do paciente diabético, especialmente os que convivem com a doença por muito tempo, podem apresentar diversas enfermidades. Logo, no caso de dor ou dificuldades motoras, o médico endocrinologista deve ser prontamente visitado para que o diagnóstico e o tratamento corretos possam ser providenciados.

Referência:
1- Musculoskeletal complications in diabetes mellitus. UpToDate OnLine.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quinta-feira, 2 de março de 2017

Gordura interesterificada: a “nova” gordura das margarinas é segura?

No início deste século, evidências científicas incriminando a gordura trans foram se acumulando. A gordura trans é obtida através de um processo industrial chamado de hidrogenação. Os óleos vegetais são ricos em ácidos graxos insaturados. Isto quer dizer que dentro da cadeia carbônica destes ácidos graxos existem várias ligações duplas entre os carbonos (figura 1). Durante a hidrogenação são adicionadas moléculas de hidrogênio a cadeia carbônica do ácido graxo para transformar as ligações duplas em ligações simples (figura 2). Um efeito adverso desse processo é a hidrogenação parcial de algumas das duplas ligações e a “torção” da molécula, formando a famigerada gordura trans.
FIGURA 1. Exemplos de gordura insaturada.

FIGURA 2. Processo de hidrogenação.

Mas por que a indústria gostava tanto de usar a gordura hidrogenada? De uma maneira geral, quanto mais insaturada for uma gordura, maior a probabilidade dela ser líquida. E a indústria alimentícia prefere utilizar gorduras sólidas nos seus produtos, pois além de serem mais estáveis nas altas temperaturas atingidas durante a fritura, garantem consistência mais agradável e maior prazo de validade aos alimentos.
Com cada vez mais órgãos governamentais e entidades de classe se posicionando contra o uso da gordura trans, a indústria alimentícia começou a migrar para um “novo” método para solidificar os óleos vegetais: a interesterificação.
A interesterificação é usada desde a década de 1940. Na natureza, as gorduras se apresentam em “trios” de ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol: são os triglicerídeos (figura 3). Dependendo de qual ácido graxo está na posição 1, 2 ou 3 da molécula do triglicerídeo, suas propriedades físico-químicas podem ser diferentes. Na forma mais comum de interesterificação utilizada pela indústria alimentícia atualmente, conhecida como método enzimático, os ácidos graxos são seletivamente ou randomicamente trocados de posição na molécula do triglicerídeo para que um óleo líquido passe a ser sólido sem o inconveniente da formação da gordura trans. Mas essa manipulação química mantém a gordura própria para consumo? É algo saudável? Esta é uma questão de resposta um pouco complexa…

FIGURA 3. Molécula de triglicerídeos. À esquerda podemos identificar os 3 carbonos da molécula de glicerol.
Primeiramente, mesmo países que historicamente conseguem ter informação epidemiológica apropriada como os Estados Unidos têm dificuldade em calcular o consumo de gordura interesterificada de sua população. Um dos motivos é a rotulagem de muitos produtos ser pouco clara quanto ao tipo de gordura utilizada na sua fabricação. Além disso, no caso da gordura interesterificada, também é importante conhecer quais “gorduras bases” foram usadas na sua fabricação, bem como a descrição do processo, já que a simples descrição da proporção de gordura saturada e insaturada ou a origem ser vegetal ou animal não permite estimar o comportamento biológico dentro do organismo. De qualquer forma, estima-se que o consumo de gordura interesterificada fique entre 1,9 e 4,8% do total energético e suas principais fontes provavelmente são: batatinhas fritas e outros chips, bolachas e pães industrializados, pipocas, margarinas, congelados prontos para fritar (nuggets e empanados, por exemplo), maionese e sorvetes.
Como os dados de consumo populacional são apenas estimados, até o momento grande parte do que se sabe sobre o impacto do consumo das gorduras interesterificadas vem de estudos pequenos, muitos feitos em animais e de curta duração. Além disso, como a gordura interesterificada compreende diversas combinações de ácidos graxos dentro da molécula de triglicerídeo, os resultados destes estudos são extremamente heterogêneos. Outra falha importante destes estudos é não conseguir reproduzir as situações reais de consumo. Isto é, ninguém come gordura interesterificada pura e em níveis até 4 vezes acima do habitual. Mas é assim que alguns estudos tentam avaliar o impacto da gordura interesterificada na saúde…
De qualquer forma, alguns pontos relevantes já foram identificados. Por exemplo, o ácido graxo de está ligado na posição 2 da molécula de triglicerídeo parece ser importante, já que ele pode ser absorvido mais facilmente pelo organismo. Além disso, o comprimento das cadeias dos ácidos graxos que ficam nas posições 1 e 3, nas pontas da molécula, também parece ser importante, já que os saturados de cadeia longa podem ser pior absorvidos quando comparados aos saturados de cadeia média. Dependendo de qual ácido graxo é preferencialmente absorvido a resposta do organismo é diferente com diferentes níveis de triglicerídeos, colesterol, marcadores inflamatórios e mesmo de glicose e de insulina.
Em resumo, até o momento ainda não sabemos se a “substituta da gordura trans” é mais saudável que ela. Para que esta pergunta seja corretamente respondida, além de mais alguns anos de pesquisa, as regras de rotulagem dos produtos alimentícios industrializados precisaram ser revistas. Neste tipo de situação onde não sabemos o real efeito de algo, o princípio da prudência se impõe. Logo, além de dar preferência às fontes naturais saudáveis de gordura (azeite de oliva, por exemplo), o consumidor tem direito de ser bem informado para decidir o que é melhor para si.

Referência:

1- Mensink RP, Sanders TA, Baer DJ, Hayes KC, Howles PN, Marangoni A. The Increasing Use of Interesterified Lipids in the Food Supply and Their Effects on Health Parameters. Adv Nutr. 2016 Jul 15;7(4):719-29.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991