domingo, 22 de novembro de 2020

Hipotireoidismo congênito: quando a tireoide não funciona desde o nascimento

Hipotireoidismo desde o nascismento

Quando o bebê já nasce com a tireoide produzindo pouco hormônio, recebe o diagnóstico de hipotireoidismo congênito. É a forma mais comum de retardo mental que se pode prevenir e chega a acometer um em cada 2000 recém-nascidos. O rastreamento e tratamento apropriados são de extrema importância nesta condição.


Problemas na tireoide são a principal causa

A maioria dos casos é esporádica e causada por más-formações ou ausência da tireoide. Outros 15 por cento tem causas genéticas como problemas na produção do hormônio tireoidiano.


Sintomas no momento do nascimento são pouco frequentes

Como o hormônio tireoidiano da mãe pode cruzar a placenta, a grande maioria dos recém nascidos não apresenta sintomas logo após o parto. Raramente, os bebês com hipotireoidismo congênito apresentam letargia, movimentos lentos, choro rouco, problemas com a alimentação, intestino preso, língua grande, corpo mole, hérnia umbilical, pele seca, baixa temperatura e icterícia (“amarelão”).


O teste do pezinho é fundamental para o diagnóstico

O rastreamento é simples e pode ser feito através do teste pezinho. Quando este primeiro exame dá alterado, o bebê deve fazer exames complementares de sangue para confirmar o diagnóstico.



O tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível

Como o bom funcionamento da tireoide é indispensável para o desenvolvimento neurológico, o tratamento deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico. Este consiste no uso de hormônio tireoidiano via oral e na maioria das vezes é mantido indefinidamente.


Referência:
1- LaFranchi S. Clinical features and detection of congenital hypothyroidism. UpToDate.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
Santa Maria - RS

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Hipertireoidismo durante a gravidez

Doença pouco frequente em gestantes

O hipertireoidismo é o estado de hiperfuncionamento da glândula tireoide, isto é, de produção aumentada de hormônios. Felizmente, não é uma doença frequente em grávidas. Estima-se que no máximo 4 de cada mil gestantes tenham a gravidez complicada por hipertireoidismo.


Atenção aos sintomas!

Durante a gravidez, os sintomas de hipertireoidismo podem se confundir com os sintomas da gestação, já que taquicardia, intolerância ao calor e excesso de suor são frequentes nas futuras mamães. Contudo, sintomas como ansiedade, tremores, perda de peso, bócio e olhos saltados, sugerem doença na tireoide com maior probabilidade.


Complicações da gestação podem acontecer

Entre as complicações associadas ao hipertireoidismo durante a gestação estão aborto espontâneo, trabalho de parto prematuro, baixo peso ao nascer, prematuridade, pré-eclampsia e insuficiência cardíaca.


Exames de sangue fazem o diagnóstico

O diagnóstico de hipertireoidismo durante a gravidez é facilmente estabelecido através de exame de sangue. Níveis de TSH menores que 0,1 mU/L, acompanhados de níveis elevados de T4 livre ou T3 livre para o período gestacional, confirmam o diagnóstico.


O tratamento não é o mesmo para todas as gestantes

O tratamento é individualizado e depende da gravidade do caso e do período gestacional. Habitualmente são usados medicamentos que bloqueiam a produção de hormônios pela tireoide, já que o iodo radioativo está contraindicado.


Referências:
1- Ross DS. Hyperthyroidism during pregnancy: Clinical manifestations, diagnosis, and causes. UpToDate.
2- Alexander EK, Pearce EN, Brent GA, et al. 2017 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease During Pregnancy and the Postpartum. Thyroid 2017; 27:315.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
Santa Maria - RS

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Vale a pena dosar insulina para diagnosticar resistência insulínica ou hiperinsulinismo?

O que é e como surge a resistência à insulina?

Resistência à insulina não é propriamente uma doença. Trata-se do processo fisiopatológico em que existe uma resposta diminuída do organismo à ação da insulina. Várias condições compartilham este mecanismo, destacando-se o diabetes mellitus tipo 2.
Hábitos alimentares inapropriados, com alto teor calórico, associados ao sedentarismo, levam a aumento de peso e acúmulo de gordura abdominal. Este tipo de gordura produz substâncias com atividade inflamatória e hormonal que diminuem a sensibilidade das células do organismo à insulina. O pâncreas tenta compensar essa deficiência relativa secretando mais insulina, isto é, causando hiperinsulinismo. Com o passar do tempo o mecanismo de adaptação começa a se exaurir, a glicose sobe e o diabetes dá as caras.



Dosagem da insulina tem pouca utilidade

Muitas pessoas com fatores de risco para o diabetes têm a seguinte dúvida: “Vale a pena medir a resistência insulínica através de exames como estratégia de prevenção do diabetes?” Provavelmente não.
O exame é útil quando é capaz de diagnosticar uma condição com precisão e o seu resultado é capaz de modificar a conduta do médico. As medidas de resistência à insulina deixam a desejar nesses dois pré-requisitos, pois são pouco acuradas e quase não mudam a maneira como o médico vai tratar seu paciente. Logo, nenhuma entidade médica recomenda este tipo de exame, salvo em situações muito especiais ou dentro de pesquisa.


Avaliação clínica é melhor que o exame laboratorial

Então como saber se existe risco de diabetes? Lança-se mão do velho e bom exame clínico - história bem feita e exame físico com medida da pressão arterial, circunferência abdominal, peso e estatura - aliado a exames laboratoriais consagrados como a medida da glicemia, colesterol e triglicerídeos. Estas informações são mais que suficientes para traçar uma estratégia de prevenção do diabetes e de todas suas consequências, ao contrário das medidas de insulina, que na maioria das vezes só acrescentam custos à assistência.

Referência:
1- Mantzoros C. Insulin resistance: Definition and clinical spectrum.UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 4 de março de 2020

Vitamina D e coronavírus (COVID-19)

Desde tempos remotos, aproveitadores usam do medo para tirar vantagem. Surtos e epidemias, como a do coronavírus, são um prato cheio para charlatões. Em meio a desinformação, maus profissionais oferecem tratamentos sem evidência de eficácia, fúteis e até mesmo deletérios com a única pretensão de lucrar. E a vitamina D, como sempre, surge para salvar a pátria... ou não!



É verdade que existem evidências experimentais de que a vitamina D possa ter efeito modulatório no sistema imunológico. Células de defesa como macrófagos e linfócitos expressam receptores para vitamina D. Além disso, existe a hipótese de que a diminuição nos níveis de vitamina D que acontece nos meses frios possa explicar o aumento no número de infecções respiratórias virais. Porém, defender o uso de vitamina D como estratégia de prevenção ao coronavírus é um equívoco! Explico...
Em 2017, o British Medical Journal publicou uma revisão de 25 estudos sobre o uso do vitamina D como estratégia de prevenção de doenças respiratórias agudas. No total, foram avaliados mais de 10 mil pacientes. O uso de vitamina D reduziu em 1,9 por cento a incidência de infecções especialmente nos pacientes com níveis abaixo de 10 ng/mL. No entanto, o uso da vitamina D não foi capaz de reduzir eventos adversos graves como pneumonias, necessidade de hospitalização ou morte. Esse estudo é frequentemente citado pelos enganadores, que o interpretam de forma equivocada ou enviesada. Vamos por partes...
O uso da vitamina D não foi 100 por cento eficaz. Aliás, ficou bem longe disso! Para cada 52 pacientes que fizeram uso do tratamento, apenas 1 se beneficiou. E esse benefício se restringiu a sintomas leves como coriza, tosse e febre. Outro detalhe, o uso de doses de ataque ou megadoses, frequentemente oferecidas pelos picaretas, não foi tão eficaz quanto a suplementação diária em doses habituais.
Vale ressaltar que o uso da vitamina D não foi estudado no contexto da epidemia do coronavírus, logo, os resultados do estudo acima não podem ser extrapolados. Não podemos afirmar que a vitamina D possa ajudar, ou mesmo que possa fazer mal neste contexto. Por isso, seu uso não é recomendado.
Pesquisadores sérios estão testando antivirais e vacinas contra o COVID-19 neste momento. Até que tenhamos os resultados destes estudos, a melhor estratégia de prevenção é evitar o contato com pessoas doentes, lavar as mãos e manter medidas de higiene respiratória (cobrir a boca ao tossir, se estiver doente). Vitamina D não é uma opção!

Referências:
1- World Health Organization. Director-General's remarks at the media briefing on 2019-nCoV on 11 February 2020. https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-remarks-at-the-media-briefing-on-2019-ncov-on-11-february-2020 (Accessed on February 12, 2020).
2- Martineau AR, Jolliffe DA, Hooper RL, et al. Vitamin D supplementation to prevent acute respiratory tract infections: systematic review and meta-analysis of individual participant data. BMJ 2017; 356:i6583.
3- Martineau AR, Jolliffe DA, Greenberg L, et al. Vitamin D supplementation to prevent acute respiratory infections: individual participant data meta-analysis. Health Technol Assess 2019; 23:1.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Monitorização do incidentalomas adrenais benignos e sem produção hormonal

Incidentalomas adrenais são lesões com pelo menos 1 centímetro descobertas ao acaso. Isto é, o paciente realiza um exame de imagem para avaliar o fígado ou outro órgão, por exemplo, e um nódulo acaba sendo encontrado na adrenal.
Ao avaliar um incidentaloma adrenal, o médico endocrinologista procurar responder duas perguntas:

As adrenais estão localizadas acima de ambos os rins.

Incidentalomas adrenais que não apresentam produção hormonal e que não são suspeitos de malignidade podem ser acompanhados clinicamente, sem necessidade de cirurgia.
Apesar de não haver consenso, recomenda-se repetir o exame de imagem em 12 meses. A necessidade de novas tomografias devem ser individualizadas, conforme o quadro clínico do paciente, pelos riscos potenciais de exposição a radiação do exame.
A avaliação hormonal com dosagem do SDHEA e do cortisol pós dexametasona deve ser repetida anualmente por pelo menos 4 anos. Algumas lesões inicialmente não funcionantes poderão começar a produzir hormônios em excesso dentro deste período.
Durante o seguimento, se o tumor crescer mais de um centímetro por ano, atingir mais de 4 centímetros de diâmetro ou começar a secretar hormônios, o tratamento cirúrgico deverá ser considerado.

Referência:
1-  Terzolo M, Stigliano A, Chiodini I, Loli P, Furlani L, Arnaldi G, Reimondo G, Pia A, Toscano V, Zini M, Borretta G, Papini E, Garofalo P, Allolio B, Dupas B, Mantero F, Tabarin A, Italian Association of Clinical Endocrinologists. AME position statement on adrenal incidentaloma. Eur J Endocrinol. 2011;164(6):851.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Quais as possíveis causas do hipotireoidismo?

O hipotireoidismo - diminuição da secreção de hormônio pela tireoide - pode ter diversas causas. Vamos conhecê-las:



Tireoidite autoimune crônica

Também conhecida como tireoidite de Hashimoto, é a principal causa de hipotireoidismo. Nesta doença o nosso sistema imunológico ataca indevidamente a tireoide causando sua destruição e, consequentemente, diminuição progressiva na produção hormonal.


Iatrogênico

Algumas vezes o tratamento de outras doenças acaba afetando a produção hormonal da tireoide. Por exemplo, um paciente que recebe indicação de cirurgia tireoidiana por nódulos que causam sintomas compressivos pode necessitar de reposição hormonal após o procedimento.
Também podem desenvolver hipotireoidismo pacientes que fazem tratamento de HIPERtireoidismo com iodo radioativo, ou que precisam fazer radioterapia na região da cabeça e pescoço.


Deficiência ou excesso de iodo

Nossa tireoide usa iodo para produzir o T4 e o T3 (hormônios tireoidianos). Deficiência - pouco comum no Brasil - ou excesso de iodo podem desregular a produção hormonal e induzir hipotireoidismo.
O uso de gotas de lugol ou solução SSKI por serem extremamente concentradas em iodo muitas vezes acabam desencadeando quadros de hipotireodismo em pessoas predispostas através da inibição do organificação do iodo (efeito Wolff-Chaikoff).


Medicamentos

Alguns medicamentos podem desencadear hipotireoidismo por diversos mecanismos. Destacam-se: tionamidas (propiltiuracil e metimazol), lítio, amiodarona, interferon alfa, interleucina 2, inibidores da tirosina quinase e alguns imunoterápicos (estes dois últimos são usados no tratamento de alguns tipos de câncer).


Doenças infiltrativas

Hemocromatose, tireoidite fibrosante e sarcoidose, felizmente, são causas raras de hipotireoidismo.


Hipotireoidismo transitório

Em algumas situações o quadro de hipotireoidismo é autolimitado, isto é, melhora sem tratamento após período de tempo variável.
As tireoidites silenciosa, subaguda e pós-parto são doenças que lesam o tecido tireoidiano. Como consequência, os estoques hormonais são liberados na corrente sanguínea causando HIPERtireoidismo no início do quadro. Após alguns dias ou semanas, os níveis hormonais caem e se instala o HIPOtireoidismo, que costuma ir melhorando a medida que a tireoide recupera sua capacidade de produção hormonal.


Hipotireoidismo congênito

Algumas crianças já nascem com hipotireoidismo. Má formação da tireoide ou defeitos na produção hormonal são possíveis causas. Felizmente, o teste do pezinho detecta precocemente estes casos, permitindo que o tratamento seja precoce e que se evite sequelas como retardo mental.


Hipotireoidismo central e resistência generalizada aos hormônios tireoidianos

São as causas mais raras de hipotireoidismo. No hipotireoidismo central, a hipófise ou o hipotálamo não enviam a ordem (TSH ou TRH) para que a tireoide produza seus hormônios.
Já na resistência generalizada aos hormônios tireoidianos, a tireoide costuma produzir níveis elevados de hormônios. Porém os receptores hormonais localizados nos diferentes tecidos não funcionam direito. É como se a chave (T4 e T3) não encaixasse na fechadura (células do nosso organismo).

Referência:
1- Ross DS. Disorders that cause hypothyroidism. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
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domingo, 29 de setembro de 2019

Rastreamento do diabetes: quando é apropriado fazer o exame

Por que pessoas sem sintomas precisam fazer exames diagnósticos para diabetes?

Entende-se por rastreamento, a procura ativa de uma doença em pessoas ainda sem sintomas. Para que um agravo de saúde mereça ser rastreado, deve preencher os seguintes requisitos:
- ser um problema de saúde pública;
- ter um período inicial assintomático;
- ter um exame diagnóstico fácil e barato;
- ter tratamento apropriado;
- existir evidência de que o tratamento precoce diminua complicações.
O diabetes mellitus tipo 2 preenche todos estes critérios.



Quem é candidato aos exames?

Pelos menos um em cada 10 brasileiros tem diabetes e muitos desconhecem o diagnóstico apesar dos exames serem baratos e estarem disponíveis da rede pública, por não apresentarem sintomas.
Os exames para o diagnóstico do diabetes tipo 2 são a dosagem da glicemia em jejum, o teste de tolerância oral à glicose e a hemoglobina glicada e estão recomendados para qualquer pessoa com 45 anos ou mais, além das pessoas com fatores de risco. Estes são:
- familiares de primeiro grau com diabetes;
- cor preta ou índio;
- ter dado a luz a bebê com mais de 4,1 kg;
- pressão alta;
- colesterol HDL baixo e triglicerídeos elevados;
- exames de glicemia e hemoglobina glicada previamente elevados;
- ter tido doenças vasculares com infarto ou isquemias.


Como é feito o diagnóstico de diabetes?

Quando a glicemia em jejum é 126 mg/dL ou mais, o teste de tolerância oral a glicose é 200 mg/dL ou mais ou a hemoglobina glicada 6,5% ou mais, o exame deve ser repetido. Confirmado os valores elevados, o paciente recebe o diagnóstico de diabetes mellitus e recebe o seguimento apropriado. Quando dois destes exames estão alterados ao mesmo tempo, o diagnóstico também está confirmado. 
Glicemia em jejum menor que 100 mg/dL, teste de tolerância a glicose menor que 140 mg/dL e hemoglobina glicada menor de 5,7% são considerados normais e o paciente deve ser novamente rastreado dentro de 3 anos.
Existe ainda uma faixa de valores intermediários para estes exames. Os pacientes que se enquadram nesta categoria têm risco aumentado para o diabetes, isto é, pré-diabetes, e devem perder peso além de mudar seus hábitos de vida para evitar a doença. Neste caso, os exames devem ser repetidos dentro de no máximo um ano.

Referência:
1- McCulloch DK, Hayward RA. Screening for type 2 diabetes mellitus. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991