sábado, 16 de janeiro de 2016

Limitações na interpretação da hemoglobina glicada (HbA1c)

A HbA1c é a medida da hemoglobina glicada. Trata-se de um exame importante tanto para o diagnóstico quanto para o seguimento do paciente diabético já que reflete os níveis glicêmicos nos últimos 2-3 meses. Contudo, apesar de os métodos laboratoriais terem evoluído bastante, a interpretação da dosagem da HbA1c ainda requer atenção por parte do médico endocrinologista, especialmente nos casos em que os valores da monitorização da glicemia capilar (em ponta de dedo) são discrepantes.



A HbA1c resulta da glicação irreversível não enzimática da cadeia beta da hemoglobina. Complicado? Nem tanto! A hemoglobina tem função de carregar o oxigênio captado nos pulmões aos nossos diferentes tecidos. Quando os níveis de glicose se elevam muito no sangue, o processo de glicação se intensifica, fazendo com que a proporção de HbA1c também aumente. No entanto, pode haver interferência no processo de glicação. Além disso, condições que aumentam ou diminuem a vida da hemácia (célula vermelha que contém a hemoglobina), variantes de hemoglobinas e hemoglobinas modificadas quimicamente são causas de variabilidade no exame.
Condições de diminuem a vida da hemácia, tais como anemias hemolíticas (anemia com destruição das células vermelhas), doença renal crônica, hemodiálise e gravidez, causam falsa redução nos níveis de HbA1c. Isto é, o médico endocrinologista deve tomar cuidado para não interpretar como melhora no controle do diabetes uma redução na hemoglobina glicada causada por estas condições. Condições que aumentam a formação de novas células vermelhas também podem causar falsa redução nos níveis de HbA1c. Entre elas podemos citar o uso de eritropoetina (estimulador das células vermelhas comumente usado em pacientes com doença renal crônica) e a perda de sangue. Além disso, transfusões sanguíneas costumam refletir a HbA1c do doador.
Por outro lado, existem condições que elevam falsamente a HbA1c podendo sugerir piora do controle glicêmico sem que isto tenha de fato ocorrido. Doenças que aumentam a vida das hemácias podem ser causa desse quadro, tais como anemia por deficiência de ferro, ácido fólico ou B12. A retirada cirúrgica do baço, ou esplenectomia, tem efeito similar a estas anemias na HbA1c. Além disso, modificações químicas da hemoglobina causadas por doses elevadas de AAS (hemoglobina acetilada) ou níveis elevados de ureia (hemoglobina carbamilada) também podem ser causas de falsa elevação da HbA1c.
Por fim, variantes da hemoglobina (S, C, E e F), doenças como anemia falsiforme e talassemias podem causar dificuldades na interpretação da HbA1c, tanto elevando como reduzindo falsamente seus níveis. Pacientes com história familiar destas doenças, afrodescendentes e asiáticos devem ser cuidadosamente avaliados.
A correta interpretação do exame, bem como a identificação dos possíveis fatores interferentes, é de fundamental importância para o ótimo controle do diabetes, garantindo que o paciente receba tratamento na medida certa! Nem mais nem menos!

Fonte: South Med J. 2015;108(12):724-729. 

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Mestre em Endocrinologia
CREMERS 30.576

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